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Mostrando postagens de maio, 2014

A indústria das multas de trânsito

      O Código de Trânsito Brasileiro é uma lei relativamente recente e, mesmo assim, tem sofrido incontáveis modificações. Ele foi instituído pela lei n°9.503, de 23 de setembro de 1997, com um período de “vacatio legis” de 120 dias. Tal período de vacância foi necessário para que todas as modificações por ele trazidas fossem por todos assimiladas. É um código extenso e se todas as suas disposições fossem obedecidas, o trânsito brasileiro seria um dos melhores do mundo – porém, não é.       Muitos dos seus comandos são simplesmente ignorados pela maioria dos motoristas (“condutores”), como se não existissem. Assim se dá por exemplo com a faixa de travessia de pedestres: diz a lei que em locais não sinalizados, se houver pedestre que queira atravessar a via o motorista deve deter o veículo que dirige, o que vale dizer, o pedestre tem total preferência sobre o automotor. No cotidiano o que se constata é o oposto: o pedestre fica aguardando na calçada que cesse o fluxo de veíc

Na casa da sogra

             Premido por motivos financeiros e também forçado pelo fato de o marido haver sido dispensado do trabalho e estar desempregado, o casal foi residir numa edícula nos fundos da casa da mãe da mulher. Ambos, marido e mulher, viviam bem, apesar das constantes interferências da sogra, existindo, como é comum acontecer em situações similares, algumas rusgas entre os cônjuges, nada que fosse grave.             Numa dessas rusgas, a sogra resolveu interferir e o genro, não mais suportando a interferência, tentou agredi-la, o que fez com que ela se refugiasse em sua casa e acionasse a Polícia Militar. Quando a guarnição chegou, um dos componentes entrou no quintal e dirigiu-se para a casa dos fundos, onde morava e estava homiziado o genro. O policial ordenou-lhe que saísse, não tendo sido atendido. Iniciou-se uma discussão. Depois de alguns segundos, o genro efetuou um disparo de arma de fogo, o mesmo tendo feito o policial militar. Ninguém foi atingido. Depois dessa refre

Marli

           Ela era manicure e formou uma união estável com um rapaz que trabalhava numa universidade estadual. A união produziu um filho. Moravam numa vila popular, perto da universidade. Davam-se ao vício das drogas.           Houve uma denúncia anônima de tráfico ao distrito policial da área; policiais estiveram no local; ali estava apenas Marli. Foi encontrada droga, cocaína, alguns papelotes. O companheiro dela foi investigado e posteriormente processado. Durante o curso do processo, Marli concordou em assinar um documento – praticamente uma confissão – em que admitia que a droga lhe pertencia. O companheiro foi absolvido e iniciou-se um processo contra ela, que redundou em condenação por tráfico de droga: 3 anos de reclusão no regime fechado e 50 dias-multa.           Ela estava presa na cadeia pública de Vinhedo, eufemisticamente chamada de “cadeia feminina”. Num dia de visita o ex-companheiro foi vê-la: ao entregar o “jumbo” ao carcereiro para a revista, foi encontra

O lobo e o cordeiro

          A carta enviada à Secretaria da Justiça tinha como remetente um preso da Penitenciária I de Hortolândia e pedia que fosse revisto o processo em que fora condenado. Essa atividade era e ainda é comum: o preso envia carta a alguma repartição ou autoridade reclamando da sua condenação e pede alguma providência. Como ele cumpria pena nesta região, a carta foi encaminhada à Assistência Judiciária de Campinas. Coube a mim analisá-la e adotar as providências que fossem cabíveis.           Pelas buscas, constatei que a sentença condenatória fora proferida em processo da 2ª Vara Criminal. A pena 2 anos e 8 meses de reclusão pela prática de um crime de roubo agravado pelo concurso de pessoas [1] tentado. Fui ler o processo.           Ele e outra pessoa abordaram a vítima e, mediante ameaça, despojaram-na de alguns bens irrisórios. Quando deixavam o local, foram surpreendidos por policiais militares e ele foi preso; o outro fugiu. Levado à delegacia, foi lavrado o auto d

A advertência a Miranda

      Ernesto Miranda era um desses “descartados” da vida social: pobre, nascido no estado do Arizona no ano de 1941, desde cedo começou a meter-se em encrencas, que culminaram com a sua acusação de sequestro, estupro e roubo; isto se deu no ano de 1963. Interrogado pela polícia, confessou haver praticado os crimes, o que lhe valeu uma condenação, porém foi interposto recurso à Suprema Corte, que concordou em ouvir o seu caso (ao contrário do que ocorre no Brasil, não são todos os recursos automaticamente aceitos na mais alta corte de justiça dos EUA).       O caso possuía uma característica importante: a sua confissão não fora precedida da advertência de que ele poderia permanecer em silêncio e que tudo o que dissesse poderia ser utilizado em seu desfavor quando do julgamento. Ou seja: os policiais que o interrogaram esqueceram (Freud explica?) de informa-lo de seus direitos, entre os quais o de permanecer em silêncio. Discutindo a violação desse direito, o caso chegou at

A bruxa da praia

      Um dos mais vergonhosos acontecimentos da história dos Estados Unidos da América é conhecido por “As bruxas de Salem”. Salem (ou Salém, como alguns grafam) é uma cidade do estado de Massachusetts e ali algumas mulheres e homens foram julgados e condenados à morte sob a acusação de praticar a bruxaria. Os últimos julgamentos deram-se no ano de 1.692. Sobre o tema Arthur Miller escreveu uma peça, bem como há um filme, baseado na peça, do ano de 1996, dirigido por Nicholas Hyttner, estrelado por Daniel Day-Lewis e Winona Ryder. Um dos condenados, Giles Corey, demorou três dias para morrer: a condenação à morte impôs-lhe na verdade um suplício, consistente em comprimir o seu corpo com pedras até morrer. Um dos juízes, Samuel Sewall, confessou mais tarde – tarde demais – que pensava que as suas sentenças tinham sido equivocadas.         Para identificar-se uma bruxa, há um manual, chamado em português “O martelo das bruxas” (às vezes traduzido por “O martelo das feiticeiras”);