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Mostrando postagens de agosto, 2020

A menina de 10 anos, o estupro, a gravidez e o aborto

             Um acontecimento mobilizou as atenções dias atrás envolvendo uma menina de 10 anos de idade, que era estuprada por um tio de 33 anos, ficou grávida e a interrupção da gravidez foi autorizada judicialmente, tendo sido realizada. Mobilizou grupos pró e contra o aborto, mas, pelo bem ou pelo mal, a medida determinada pelo juiz está profundamente embasada na legislação penal.            No Brasil existem três tipos de aborto: auto aborto (em que se pune também o consentimento da gestante para que outrem o realize), aborto sem o consentimento da gestante e aborto com consentimento da gestante. O primeiro está definido no artigo 124 (“aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento”) do Código Penal assim: “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. A pena é de detenção, de 1 a 3 anos. O segundo vem definido no artigo 125 (“aborto provocado por terceiro”): “provocar aborto sem o consentimento da gestante”. A pena é de reclusão, de 3 a 10 a

O estelionato e a lei anticrime

           O nome desse crime contra o patrimônio – estelionato – deriva do latim “stellio”, “stellionis”, que significa camaleão. Já era punido na época do Direito Romano. Dizem alguns doutrinadores que o nome foi dado ao crime como alusão à esperteza desse animal, que, como se sabe à larga, muda de cor para, nas mais das vezes, enganar os seus predadores. Talvez também as suas vítimas, para melhor apanhá-las. O bicho altera a realidade, criando uma ilusão.          O mesmo se dá no crime em questão: o sujeito ativo altera a realidade para melhor iludir a sua vítima, e, com isso, obter uma vantagem ilícita. O Código Penal o define no artigo 171 assim: “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer meio fraudulento”, com a pena de 1 a 5 anos de reclusão, mais multa. (Do número do artigo derivou uma gíria policial em que o autor desse crime é chamado de 17 de janeiro [17/1]).          Vários são os

Racismo e esquizofrenia

  Repercutiu intensamente nas redes sociais uma gravação em que uma pessoa agride um entregador de aplicativo de comida com palavras extremamente ofensivas, fazendo referências à cor da pele, o que, à primeira vista, levou os “juristas de plantão das redes sociais” a classificarem o fato como racismo. Não, não é. Atento ao fato, o delegado de Polícia a quem o caso foi apresentado registrou-o, no boletim de ocorrência, como injúria “racial” (desta vez, o equívoco foi da mídia, pois a injúria que se refere o caso é tratada, no Código Penal, como injúria por preconceito, desde o ano de 1997, pela lei 9.459, que, nesse ponto, alterou o código, introduzindo essa nova figura penal). O crime de injúria está descrito no artigo 140 do Código Penal, classificado como Crime contra a Pessoa, espécie Crime contra a Honra, desta forma: “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”, cuja pena é de detenção de um a seis meses, ou multa. O crime de racismo, por seu lado, é do ano 1989, lei n

Matou o amigo pensando que fosse um javali

           A manchete de hoje (4/8/20) em muitos jornais e portais aborda um fato doloroso, mas que, aos olhos do Direito Penal, deve e pode ter uma solução   bem diversa daquilo que pensa a vã filosofia: dois amigos estavam caçando e um deles faz um disparo em direção a um vulto que ele acreditava ser o animal que buscavam, mas, por erro de avaliação, acerta e mata o companheiro de caçada. Em tese, foi cometido um crime contra a vida chamado homicídio – artigo 121 do Código Penal -, porém a solução não deverá ser pura e simplesmente punir o autor por esse crime, mas por um mais brando e, talvez, nem puni-lo.          Hipoteticamente, esse fato foi à exaustão utilizado como exemplo em aulas de Direito Penal (eu mesmo, nos 30 anos que ensinei essa matéria na Faculdade de Direito da PUCCamp, usei-o incontáveis vezes [o grande penalista Claus Roxin chamava exemplos assim de “exemplos de manual de Direito Penal”]); atuando como Defensor Público perante a Vara do Júri da comarca de