Pular para o conteúdo principal

A menina de 10 anos, o estupro, a gravidez e o aborto

 


 

         Um acontecimento mobilizou as atenções dias atrás envolvendo uma menina de 10 anos de idade, que era estuprada por um tio de 33 anos, ficou grávida e a interrupção da gravidez foi autorizada judicialmente, tendo sido realizada. Mobilizou grupos pró e contra o aborto, mas, pelo bem ou pelo mal, a medida determinada pelo juiz está profundamente embasada na legislação penal.  

         No Brasil existem três tipos de aborto: auto aborto (em que se pune também o consentimento da gestante para que outrem o realize), aborto sem o consentimento da gestante e aborto com consentimento da gestante. O primeiro está definido no artigo 124 (“aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento”) do Código Penal assim: “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. A pena é de detenção, de 1 a 3 anos. O segundo vem definido no artigo 125 (“aborto provocado por terceiro”): “provocar aborto sem o consentimento da gestante”. A pena é de reclusão, de 3 a 10 anos. A última modalidade – “aborto com o consentimento da gestante” – está no artigo126, assim: “provocar aborto com o consentimento da gestante”. A pena é de reclusão, de 1 a 4 anos.

         Há duas outras modalidades que podem ser chamadas de “abortos permitidos” e que são as seguintes (a lei penal fala que “não se pune o fato”): “aborto necessário” (“quando não outro meio de salvar a vida da gestante”) e “aborto no caso d gravidez resultante de estupro” (artigo 128, incisos I e II). A modalidade que interessa ao tema presente é a que vem descrita no inciso II, cujo texto é o seguinte: “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou de seu representante legal”.

         Duas outras ocorrências são de chamar a atenção: em primeiro lugar, o pedido de autorização judicial. A lei penal não exige que se bata nas portas do judiciário para que ele conceda a autorização. Diz apenas que o ato interruptivo precisa ser precedido de consentimento da gestante, se capaz, ou do representante legal, se incapaz (como é o caso da menoridade). Porém, há uma praxe jurídica antiga pela qual não se faz esse tipo de interrupção sem um alvará judicial. Os médicos não o realizam se não houver esse alvará.

         Em segundo lugar, foi a mobilização tanto dos grupos a favor quanto dos contra. Houve manifestações de ambos na porta do hospital em que se daria (como se deu efetivamente) a intervenção médica.

         Há outra espécie de aborto permitido que não está prevista em lei, mas é de criação jurisprudencial: a interrupção da gravidez quando o feto é anencéfalo (não tem o encéfalo). Durante muitos anos em que exerci a função de Defensor Público perante a Vara do Júri da comarca de Campinas coube a mim fazer os requerimentos: o CAISM da Unicamp nos encaminhava todos os exames a que fora submetida a gestante (ultrassom, perícia psicológica, psiquiátrica, social) e ela era convocada para assinar um termo de consentimento. Tudo era submetido à apreciação do judiciário que, em quase todas as vezes, deferia o pedido.

         A única vez em que foi o pedido indeferido uma juíza substituía o titular e o pedido foi feito pelo meu substituto (eu estava gozando férias). Reassumindo, com um agravamento do quadro clínico, refiz o pedido e desta feita foi analisado por outra juíza (coincidentemente, tinha sido minha aluna na PUCCamp) e foi deferido. (A narrativa deste caso está em meu livro “Casos de Júri e Outros Casos”, “Feto anencefálico”). Neste caso também houve mobilização de grupos anti-aborto: um deles procurou a gestante oferecendo-lhe uma ajuda na criação do filho (não há registro de feto nessa condição que sobreviva; ainda que nasça com vida, morre em seguida).

         Em tempo: o estupro continuado (foram vários, desde que a menina tinha 6 anos até engravidar) de vulnerável aconteceu no estado do Espírito Santo...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Influencers

A nova era trouxe, além das novidades diárias, representadas pelas redes sociais, um novo vocabulário no qual há o (a) “influencer”. Como já li em alguma parte mas não me recordo precisamente em qual, antigamente “influencer” era o pai, a mãe, o professor, o pároco, o pastor, pessoas que, de uma forma ou de outra, pelo conhecimento e proeminência que possuíam, conseguiam influenciar um sem número de pessoas. Tome-se por exemplo o professor: pelos ensinamentos transmitidos aos alunos, ele consegue influenciá-los. Na atualidade, “influencers” são muitas vezes pessoas que se tornam conhecidas por besteiras que realizam e publicam nas redes sociais, valendo notar que algumas delas mal sabem se expressar no idioma pátrio. Pode-se começar com um bom exemplo: uma dessas figuras, numa “live”, defendeu que no Brasil, desconhecendo que a legislação proíbe, fosse, por assim dizer, legalizado o partido nazista, pois assim, na sua visão, os adeptos desse totalitarismo seriam conhecidos. Mas