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Mostrando postagens de fevereiro, 2013

Atirando do estribo

              Quando li os autos do processo no cartório da Vara do Júri de Campinas pensei estar lendo um enredo de um filme digno de hollywood [1] : era uma perseguição policial cinematográfica. A Polícia Militar foi acionada para atender uma ocorrência de roubo de um veículo – no caso, de um caminhão baú. Algumas viaturas foram mobilizadas. Uma delas localizou o veículo. O ladrão o dirigia. Iniciou-se a perseguição. Disparos de arma de fogo foram feitos por ambas as partes, perseguidores e perseguidos. Alguns projéteis atingiram os pneus do baú. Perfuraram-no. Isso não foi o bastante para que o motorista-ladrão parasse, nem que o veículo se imobilizasse. Continuou em fuga. Os policiais perseguindo-o. Uma das viaturas emparelhou com o carro roubado. Um dos policiais militares saltou no estribo do caminhão. Sacou o revólver. Atirou no motorista. Atingiu-o. Matou-o. Cessou, por fim, a perseguição. No inquérito, a Polícia Civil não indiciou o policial militar, classificando a morte com

Sexo (até) debaixo d'água

                          Um vídeo postado no Youtube em que um casal mantém relação sexual numa praia de Rio das Ostras ganhou as redes sociais e foi replicado à exaustão. Contrariamente ao que se possa pensar, a cópula não foi na areia, mas dentro d'água e ambos estavam em pé, com a água pela cintura. O casal, após o ato, foi levado à Delegacia de Polícia e ali lavrado o “termo circunstanciado de ocorrência”, já que se trata de infração penal de menor potencial ofensivo, alcançada pela lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais (lei nº 9.099/95). É que o caso pode tipificar o crime de ato obsceno, classificado como “contra a dignidade sexual” (Título VI da Parte Especial), capitulado como “ultraje público ao pudor” (capítulo VI), com a seguinte dicção: “praticar ato obsceno em lugar público, aberto ou exposto ao público”. A pena cominada é a de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa.                         Sem esquecer que o Código Penal, em sua Parte Espec

O sinalizador, a morte no estádio e a punição do autor

              O trágico acontecimento que vitimou um torcedor em pleno estádio em que jogava o Corínthians, na Bolívia, não saiu da mídia desde que se verificou e ganhou novos holofotes quando um menor, de 17 anos, torcedor da agremiação brasileira, apresentou-se como sendo o autor do fato. Desde logo, em sua defesa afirmou que o artefato disparou acidentalmente e que, como muitos já estariam pensando, não assumiu a responsabilidade por ser menor de 18 anos. Façamos algumas reflexões.             O crime: o local de seu cometimento – a morte deu-se no território boliviano, o que deve fazer com que a sua lei penal seja aplicada ao fato, conforme determina o artigo 1 (“en cuanto ao espacio”), inciso 1 (“a delitos cometidos en el territorio de Bolivia o en los lugares sometidos a su jurisdicción") do Código Penal. Igualmente ao que ocorre no Brasil, a morte é punida e também sob a denominação de homicídio. A sua tipificação está no artigo 251, com a seguinte descrição: “el que ma

Algumas pérolas jurídicas

                        Alguns erros, digamos, capitais, proporcionaram a criação de algumas séries ao estilo “pérolas”:   do ENEM, do ENADE e mais algumas.                           Aqui, por óbvio, não serão “pérolas” criadas por “ostras” da área jurídica, nem por alunos de faculdades de direito, pois, neste caso, seria muito fácil, já que existe uma em cada esquina, mas sim por jornalistas que no exercício de sua profissão assumem ares de juristas e dizem as maiores tolices fazendo pose de quem profere um pensamento profundo. A profundidade dos pensamentos que produzem essas “pérolas”, como dizia Nelson Rodrigues, “uma formiguinha atravessa com água pelas canelas”. Porém, no quesito “bobagem”, a profundidade é imensa.                         A primeira foi dita por Alexandre Garcia, sim, o da Globonews. Ele tinha um programa, que na realidade era um comentário, veiculado pela Rádio Antena 1 FM por volta de 7 horas da manhã   (eu o ouvia quando estava retornando da mi

Uma prova inusitada

Sabe-se que em Direito Processual Penal o fato pode (deve) ser demonstrado por todos os meios de prova em direito admitidos. Nessa linha de exposição deve ser feita referência à prova ilícita. O cuidado da lei brasileira foi tão longe que a proibição de produção (melhor seria dizer: utilização) de prova ilícita alcançou estatura constitucional. Sim, o artigo 5º, inciso LVI, não admite no processo (seja cível, seja criminal) a prova obtida por meio ilícito. Da mesma forma, o Código de Processo Penal estabelece no artigo 157 que são inadmissíveis as provas obtidas com violação às normas constitucionais ou legais (esta redação é da reforma de 2008).                         Feitas estas breves observações, há uma – por assim dizer – total liberdade de provar o que se alega, ressalvando-se, porém, que o mesmo Código de Processo Penal alerta que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer” – é a dicção do artigo 156. A criatividade pesa muito na produção probatória.           

Condenem o mais feio

              O édito de Valério determinava que entre dois supostos culpados, deveria ser condenado o mais feio. Ele tem algumas variações: na dúvida condena-se o mais feio; na dúvida pune-se o mais feio, mas uma constante: o feio é que deveria ser punido. Talvez por sua feiura?             “As feias que me desculpem, mas beleza é fundamental”, proclamou certa ocasião o “poetinha” - como ele gostava de ser chamado - Vinicius de Moraes. Outro espirituoso, ao ditado “beleza não vai à mesa”, respondeu: “mas eu não como no chão”.             A feiura sempre foi feia – desculpem a redundância. O livro “História da feiúra” (assim no original – é anterior à reforma ortográfica), organizado por Umberto Eco, diz em sua introdução que “ao longo dos séculos, filósofos e artistas sempre elaboraram definições do belo; graças a esses testemunhos é possível, portanto, reconstruir uma história das ideias estéticas através dos tempos. Já com o feio, foi diferente. Na maioria das vezes, o

Mário Vargas Llosa e a indústria do crime de furto

              O escritor peruano (e espanhol: tem dupla cidadania porque Alberto Fujimori ameaçou cassar-lhe a cidadania peruana [1] ) Mario Vargas Llosa recebeu, merecidamente, o premio Nobel de literatura no ano de 2010. Sua vasta obra é digna de ser “devorada” por quem gosta de ler. Sua – por assim dizer - especialidade é o romance histórico e para escrevê-los (desnecessário seria dizer) o autor viaja ao local em que fato (ou o personagem, ou ambos) se deu para pesquisar e, assim, retrata-lo com fidelidade. Dentre estes há alguns dignos de nota: “La fiesta del chivo”, ambientado na República Dominicana, época em que Rafael Trujillo a governava; “A guerra do fim do mundo”, em que aborda o fenômeno Canudos e Antonio Conselheiro (e para escrever a obra ele veio morar no Brasil, no mesmo estado em que ocorreu o movimento), “El sueño del celta”, em que fala de Roger Casement;   “El paraíso en la otra esquina”, em que fala de Flora Tristán (avó de Paul Gauguin). E todas essas obras – e a

"Mauri"

Ele tinha o perfil do descartado social: morava numa vila popular, daquelas construídas pelos governos militares nos anos 60 e 70 e em regra batizadas com o nome de algum militar: Vila Costa e Silva e Vila Castello Branco, por exemplo. Não trabalhava e sustentava-se cometendo pequenos furtos em residências. O seu “modus operandi” era corriqueiro naquela época, anos 80: no fim de semana, ele e um amigo (comparsa, cúmplice, co-autor, partícipe, seja lá o nome que se lhe dê) dirigiam-se a outro bairro, geralmente nas proximidades do Liceu Nossa Senhora Auxiliadora (coincidentemente, o mesmo bairro em que eu morava – alguns vizinhos receberam a desagradável “visita” desses que outrora eram espirituosamente chamados de “amigos do alheio") para a prática do ilícito patrimonial. Perambulavam pelas ruas observando as casas, escolhendo uma que tivesse o acesso facilitado por ter muro baixo ou ser vizinha de terreno baldio; tocavam a campainha para certificarem-se de que os morador

Parece que "bateu" um juízo

A sentença penal condenatória traz consigo duas “cargas”: a condenação propriamente dita, que contém a resposta estatal consistente na imposição de uma pena (seja privativa de liberdade [reclusão ou detenção], seja restritiva de direitos [prestação de serviços à comunidade, por exemplo], seja pecuniária [multa]), podendo, assim, ser visto como um efeito principal ou primário, e outra carga, que é uma consequência da primeira, importando na perda de um direito: em outras palavras, um efeito da condenação. Em tempos anteriores, no Direito Penal brasileiro essa divisão era feita entre penas principais e penas acessórias. A partir do ano de 1984, em que a Parte Geral foi reformada, aquilo (nem tudo, óbvio) que era classificado como pena acessória passou a ser um efeito da condenação.             Os efeitos da condenação são divididos entre genéricos e específicos. Entre os primeiros estão “a obrigação indenizar o dano causado pelo crime”, assim como “a perda, em favor da União,

Amor

Um dos filmes indicados ao Oscar deste ano é , tal qual ocorreu no ano passado, franc ês, e concorre nas categorias melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Emanuelle Riva, com 85 anos de idade – é a mais idosa concorrente ao premio; na outra ponta está a atriz mais nova já indicada ao premio: Quvenzhané Wallis, com 9 anos [atriz do filme “A indomável sonhadora”, também indicado ao Oscar como filme e melhor diretor]). O filme narra o cotidiano de um casal de idosos até que um deles – a mulher – tem um problema de saúde que a torna hemiplégica – e o quadro piora a cada dia. Num   dos “takes”, o marido retorna de um féretro e o descreve à mulher, que ainda está lúcida porém com dificuldade de mobilidade, e esta manifesta a sua vontade de morrer.             O tema é muito interessante, por abordar não só os percalços a que estão sujeitos os casais, especialmente os com muitos anos de união, como por tocar em outro tema (este muito mais delicado, para não dizer explosivo):