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Algumas pérolas jurídicas



                        Alguns erros, digamos, capitais, proporcionaram a criação de algumas séries ao estilo “pérolas”:  do ENEM, do ENADE e mais algumas. 
                        Aqui, por óbvio, não serão “pérolas” criadas por “ostras” da área jurídica, nem por alunos de faculdades de direito, pois, neste caso, seria muito fácil, já que existe uma em cada esquina, mas sim por jornalistas que no exercício de sua profissão assumem ares de juristas e dizem as maiores tolices fazendo pose de quem profere um pensamento profundo. A profundidade dos pensamentos que produzem essas “pérolas”, como dizia Nelson Rodrigues, “uma formiguinha atravessa com água pelas canelas”. Porém, no quesito “bobagem”, a profundidade é imensa.
                        A primeira foi dita por Alexandre Garcia, sim, o da Globonews. Ele tinha um programa, que na realidade era um comentário, veiculado pela Rádio Antena 1 FM por volta de 7 horas da manhã  (eu o ouvia quando estava retornando da minha caminhada). Quando a lei que criou os Juizados Especiais Federais tornou o porte de entorpecente (era a época da lei 6.368/76) uma infração penal de menor potencial ofensivo, e, portanto, passível de transação penal, permitindo, assim, a imediata imposição imediata de pena restritiva de direito e o magistrado impunha (desde que o autor do fato aceitasse) a prestação de serviços à comunidade, geralmente a doação de uma básica, o jornalista dedicou o programa a comentar a força dos traficantes, que tinham conseguido a aprovação dessa lei, e, assim, podiam continuar traficando já que não haveria punição aos usuários. Alguém havia dito a ele que era aplicável apenas aos casos de entorpecentes.
                        A segunda pérola é de data mais recente: no dia 19 de fevereiro deste ano, o âncora do Jornal da Band, Ricardo Boechat, após noticiar que aos irmão Cravinhos fora concedido a progressão prisional e que, assim, eles iriam passar a cumprir a reprimenda em regime semi-aberto, proclamou: “somente no Brasil é que uma pessoa condenada a 38 anos fica presa pouco mais de 6 anos”. Primeiro equívoco do "jurista": eles continuarão presos, só que em outro regime. Segundo equívoco do "jurista": existem países em que o condenado a prisão perpétua pode obter livramento condicional. Como exemplo: EUA, mais especificamente no estado do Texas.
                        A terceira pérola foi proferida por outro renomado "jurista", Datena, no dia 20 de fevereiro, num programa da Rádio Bandeirantes AM de São Paulo, Comentando o ocorrido na Bolívia, em que um torcedor foi morto, ele se pôs a fazer comparação entre o ocorrido no Japão, em que não havia foguetes no estádio, e na Bolívia, em que houve, e sentenciou: “a culpa pela morte é dos organizadores do evento na Bolívia”. Revogou tudo quanto se conhece em matéria de responsabilidade pessoal.
                        Pois é: com tantas faculdades de direito assim, a produção  de tantos juristas de escol era uma consequência esperada – mas não desejada.  

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