Quando li os autos do
processo no cartório da Vara do Júri de Campinas pensei estar lendo um enredo
de um filme digno de hollywood[1]:
era uma perseguição policial cinematográfica. A Polícia Militar foi acionada
para atender uma ocorrência de roubo de um veículo – no caso, de um caminhão
baú. Algumas viaturas foram mobilizadas. Uma delas localizou o veículo. O
ladrão o dirigia. Iniciou-se a perseguição. Disparos de arma de fogo foram
feitos por ambas as partes, perseguidores e perseguidos. Alguns projéteis
atingiram os pneus do baú. Perfuraram-no. Isso não foi o bastante para que o
motorista-ladrão parasse, nem que o veículo se imobilizasse. Continuou em fuga.
Os policiais perseguindo-o. Uma das viaturas emparelhou com o carro roubado. Um
dos policiais militares saltou no estribo do caminhão. Sacou o revólver. Atirou
no motorista. Atingiu-o. Matou-o. Cessou, por fim, a perseguição. No inquérito,
a Polícia Civil não indiciou o policial militar, classificando a morte como
praticada em situação de legítima defesa, própria e de terceiro. O Ministério
Público não entendeu da mesma forma que o Delegado de Polícia. Denunciou o
policial militar por homicídio simples. Defendi-o na instrução processual. Ele
foi absolvido sumariamente. Já se havia formado o entendimento, pois o fato
ocorreu após a Constituição Federal (1988), que o recurso de ofício não era mais
obrigatório em caso de absolvição sumária[2]. O
Ministério Público, mais uma vez, discordou da solução e interpôs o recurso em
sentido estrito[3].
Apresentei as contrarrazões. Depois de alguns dias encontrei o policial
militar, que, nessa época, estava prestando serviço no fórum. Todo contente,
deu-me os parabéns pela “vitória”. Ele soubera da absolvição, porém não sabia
da interposição do recurso. Fui obrigado a contar que o Ministério Público
recorrera. A alegria esvaneceu-se.
Aposentei-me sem que o
recurso tivesse sido julgado.
(Do livro "Casos de júri e outros casos", volume 2, a ser publicado.)
(Do livro "Casos de júri e outros casos", volume 2, a ser publicado.)
[1].
Muitos processos criminais assemelham-se em muito a um enredo de filme
hollywoodiano; vale aqui a frase: “em Direito Penal, muitas vezes a realidade é
mais estranha do que a ficção”, conforme Francis Lee Bailey.
[2].
Artigo 411 do CPP.
[3].
Depois do ano de 2008 tomou nova redação, ficando afastada definitivamente a
obrigatoriedade do recurso oficial.
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