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Mostrando postagens de julho, 2014

A morte do irmão

           Seu nome era Paulo e ele descendia de japoneses. Conheci-o quando fui prestar assistência jurídica aos presos do “cadeião” do São Bernardo, após uma rebelião que foi reprimida à custa de muito sangue. Devido ao seu estudo, ele trabalhava naquilo que na linguagem de cadeia é chamada “carceragem”: presos que são utilizados no trabalho burocrático. Esses presos fazem a identificação de novos presos, redação de certos memorandos e similares.           Ele e seu irmão resolveram uma sexta-feira praticar um roubo de um carro nas imediações de uma feira-livre que é montada na Rua General Marcondes Salgado, bem próximo ao Bosque dos Jequitibás.           Fizeram como todos sempre fazem: perambulando nas imediações, até que surja uma pessoa mais desatenta, que é abordada quando está abrindo a porta do carro. No caso, foi uma mulher, que, com as compras efetuadas, preparava-se para abrir seu automóvel.           Deu-se a abordagem: imobilizada a vítima e desapossada da c

Campinas de antigamente

      O título remete ao saudosismo e esta palavra faz com que muitas pessoas, especialmente as mais jovens, “torçam o nariz”, como se o saudosismo fosse atributo dos idosos – ou dos mais idosos.       Sem pretender ser saudosista – e já sendo – Campinas, há 50 anos passados, era bem melhor do que a atual. Digo há 50 anos pois faz exatamente esse tempo que a minha família veio de mudança de Jaú para cá, realizando algo que não mais poderia ser adiado. Chegamos aqui no dia 4 de fevereiro. É muito custoso para uma pessoa desenraizar-se de um local onde estava estabelecido para mudar-se para outra cidade, mas, muitas vezes, as circunstâncias impõem esse sacrifício. Foi o que ocorreu com a minha família: com os filhos atingindo a idade universitária e não existindo faculdade na cidade em que morávamos, a solução foi vir para Campinas.       Eu já conhecia bem a cidade, pois, tendo muitos parentes morando aqui, era em Campinas que nós passávamos as nossas férias. E era como uma Disne

Memórias das copas do mundo

       Para mim, tudo começou em 1958: então com 10 anos e mal entendendo das coisas, acompanhei pelo rádio, vendo o meu irmão mais velho soltando rojões, a primeira vitória da seleção brasileira numa copa do mundo, então chamada Jules Rimet. O torneio ocorreu na Suécia. O fenômeno Pelé, então com 17 anos surgiu ali. O que falar, então, de Didi, Garrincha, Nilton Santos, Bellini?       Quatro anos depois, foi na América do Sul, mais precisamente no Chile, e novamente a seleção brasileira trouxe a taça. Embora Pelé não tivesse podido jogar todas as partidas, o time não se ressentiu de sua ausência, substituído que foi por Amarildo, o “peito de aço” (os narradores esportivos de então tinham o hábito de colocar apelidos nos jogadores).       Na copa seguinte, 1966, que seria, como foi, jogada na Inglaterra, o selecionador brasileiro acreditou que a vitória eram “favas contadas” e fez uma “lambança”, porém, ele não contava com o preparo das outras seleções e a brasileira foi el

Bianca e a mudança de sexo

        O seu nome não era Bianca: “na pia batismal” (na verdade: no registro de pessoas naturais) recebera o nome de Edilson, do sexo – claro! – masculino. Porém, era, conforme se dizia na época, transexual, “uma alma feminina encarcerada num corpo masculino”. A sua ideia, que encerraria a realização de um sonho, era submeter-se a uma cirurgia para mudança de sexo (hoje: cirurgia de readequação sexual). Foi em busca dos meios à realização do sonho.       No Brasil houvera, na década de 70, uma experiência pioneira nessa área: um transexual chamado Waldir fora operado para mudança de sexo. A cirurgia foi realizada por um renomado profissional de São Paulo e de tal forma ficou satisfeito o cliente que resolveu requerer à Vara (sem nenhuma conotação...) dos Registros Públicos a alteração de seu nome, de Waldir para Waldirene, e a mudança de sexo, de masculino para feminino. Requerida a alteração, o Ministério Público que atuava perante aquela repartição judiciária não somente di

Morto ao sair

           Não tenho clara lembrança do tempo em que aconteceu este episódio: não lembro se ele ocorreu quando eu, “pro bono”, prestava assistência jurídica aos presos do “cadeião” do São Bernardo, o que aconteceu nos anos de 1977 e 1978, ou quando, já como Procurador do Estado, no ano de 1983, fui designado, após uma sangrenta rebelião, para ali prestar assistência jurídica sem prejuízo das minhas atribuições normais, que se davam na área civil da Assistência Judiciária da Procuradoria Regional de Campinas.           Mas o fato em si está bem vívido na minha memória. Ele era um daqueles presos esquecidos pelo sistema, cumprindo pena numa cadeia pública em que não havia assistência jurídica, numa cela com mais quinze outros (ou mais) desafortunados. Era muito simples, afável, conversava bem, era humilde e respeitador.           Atendi-o certa ocasião e ele dizia que estava preso mais tempo do que a pena que lhe fora imposta. Que não via a hora de deixar o cárcere. Que – e