A palavra
linchamento tem uma origem nebulosa: uma versão atribui a sua origem à
existência de uma pessoa chamada Lynch. Segundo essa versão, era militar, ora
coronel (Charles), ora capitão (William), que, liderando uma turba, matava
pessoas acusadas de algum crime, mais especificamente durante a revolução
americana, e mais especificadamente ainda, os que fossem pró-britânicos. A
prática continuou após a proclamação da independência e fixou-se especialmente
contra negros nos anos que se seguiram. Mais do que a idéia de uma turba
matando alguém, geralmente na forca, é a ideia de “justiça” sumária, sem
possibilidade de que o acusado exerça o direito de defesa.
Todas as
pessoas daquela comunidade, um bairro perto do distrito de Barão Geraldo, eram
pacatas, amigas e o local era um oásis de tranquilidade. Até que dois irmãos
vieram de mudança para ali residir: começaram os desentendimentos, as agressões
e o medo.
Numa época da
semana santa, os dois irmãos encrenqueiros receberam a visita de um meio-irmão,
morador de outra cidade, que viera para passar com eles esse final de semana
prolongado. Era o componente que faltava para que aqueles cidadãos pacíficos
praticassem atos até então nunca vistos.
Muitos dos
moradores estavam aproveitando o feriado para participar de um “rachão” (ou
“pelada”, se for preferível) no campo de futebol daquele bairro, quando veio
alguém e noticiou mais uma maldade feita pelos irmãos, desta vez acompanhados
pelo primo: eles haviam agredido alguém. Como uma fagulha, aquelas pessoas
dirigiram-se à residência dos irmãos encrenqueiros e ali aplicaram uma surra
nos três. Estes, depois da tunda bem aplicada, inicialmente foram a um hospital
para atendimento; depois, a uma delegacia de polícia registrar a ocorrência.
Porém, um dos irmãos precisou, em face dos ferimentos, ficar internado – e foi
a sua salvação.
Antes do
término da semana santa – no sábado de aleluia mais precisamente, quando se
malha o judas – aqueles até então pacatos cidadãos voltaram à residência dos
irmãos encrenqueiros e os mataram.
Instaurado o
inquérito policial, foram identificados dezessete participantes do
“linchamento”, muitos dos quais contrataram advogados para a defesa. À PAJ
coube a defesa de pelo menos três; dois deles, em sessões separadas, foram
defendidos por mim.
Foi difícil ao
membro do Ministério Público sustentar, no julgamento do primeiro réu (o
processo fora desmembrado: alguns réus recorreram da sentença de pronúncia), a
acusação – que era grave: homicídio qualificado –, tendo vítimas tão ruins
(quer queira, quer não, os jurados, no crime de homicídio, julgam também a
vítima). Parecia que o acusador estava com vontade de requerer a absolvição,
mas ele sustentou o libelo.
Foi uma das
defesas mais fáceis de minha carreira: os jurados, sem dúvida julgando também
as vítimas, absolveram este primeiro acusado por sete votos a zero.
Pouco tempo
depois foi julgado o segundo acusado e o resultado foi quase o mesmo.
Infelizmente, a
aposentadoria impediu-me de continuar atuando na defesa daqueles pacatos
cidadãos.
(Capítulo do livro "Casos de júri e outros casos", Editora Millennium.)
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