Um
liame entre elas é que ambos foram eleitos pela legenda do PT. Outro: ambos
foram mortos durante o exercício do mandato. Talvez as coincidências parem por
aí. A apuração da morte de Celso Daniel teve várias reviravoltas, a mais
recente apresentada numa das fases da Operação Lava-Jato, a 27ª, chamada de
“carbono 14”. Para os que ainda não sabem, segundo a enciclopédia interativa
Wikipedia, “a técnica de datação por
carbono-14 foi descoberta nos anos quarenta por Willard Libby. Ele percebeu que a quantidade de carbono-14 dos tecidos orgânicos
mortos diminui a um ritmo constante com o passar do tempo. Assim, a medição dos
valores de carbono-14 em um objeto antigo nos dá pistas muito exatas dos anos
decorridos desde sua morte”. A sua morte parece estar fortemente ligada à
corrupção: um dos seus irmãos, ao depor numa CPI, disse ter visto no
apartamento do prefeito, na área de serviço, diversos sacos de sanito
abarrotados de dinheiro: como os prefeitos não tinham um salário tão alto e
nenhum pagamento era feito em dinheiro, ele concluiu que era produto de
corrupção. Detalhes tenebrosos sempre cercaram o fato e parece que agora alguma
luz será jogada sobre ele.
Outro liame a liga-los é
o que diz respeito ao crime político. Muitas pessoas e até a mídia dizem
tratar-se de crime político. Para decepção de muitos, nenhum dos dois
homicídios pode ser classificado como crime político, pois esta espécie de
crime está descrita na lei de segurança nacional: a morte de alguém somente
será crime político se foi praticado contra o Presidente da República, o do
Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal e,
óbvio, tiver motivação política. Matar um governador ou um prefeito ou o
presidente de um tribunal de justiça não constituem crime político – não no
sentido jurídico da expressão.
A morte do prefeito
Toninho do PT resultou num processo por homicídio que tramitou na Vara do Júri
da comarca de Campinas. O óbito se deu no dia 10 de setembro de 2001 por volta
das dez da noite. Os detalhes do fato em si são do conhecimento de todos: após
um dia – era uma segunda-feira – de trabalho na prefeitura ele foi à academia
de ginástica de seu irmão, localizada na avenida Moraes Salles, dirigindo-se em
seguida ao Shopping Iguatemi onde apanhou um terno que comprara e fora deixado
na loja para ajuste. Indo para sua casa, ele trafegava pela avenida Mackenzie
quando seu carro – um Palio – foi alvejado por tiros disparados do interior de
um Vectra prata. Foi instaurado
inquérito policial pelo Setor de Homicídios da Delegacia Seccional de Polícia,
posteriormente encaminhado ao DHPP – Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa
do DEIC. Encerrado o inquérito e enviado à Vara do Júri, o Ministério Público
denunciou Wanderson Nilton de Paula Lima, cognominado “Andinho”, de estar no
interior do Vectra prata acompanhado de três supostos membros de uma suposta
quadrilha conhecida por “quadrilha do ‘Andinho’”. Seriam eles: “Valmirzinho”
(que dirigia o veículo), “Anzo”, que teria atirado, e “Fiinho”; os dois
primeiros foram mortos pela polícia em Caraguatatuba e “Fiinho” numa chácara em
Itu, estando acompanhado de “Andinho”, que foi preso. Só por estar dentro do
carro e ter ascendência sobre os demais, ele foi denunciado como responsável
pela morte. Essa versão tinha sido dita durante o inquérito, em circunstâncias
estranhas, por um membro da “quadrilha”, que a teria ouvido de “Anzo” . A
versão integral era esta: Os quatro haviam tentado interceptar, não se sabe o
motivo, um Vectra verde, no interior do qual estavam um funcionário público
aposentado e um pintor de parede: eles tinham ido a uma casa do funcionário para
fazer um orçamento de pintura, pois a casa se destinaria à locação. O entrevero
deu-se na rua Nova Granada, bairro Chácara da Barra (ou Novo Cambuí) e falhou;
fugindo do local em alta velocidade, na avenida Mackenzie não conseguiam
ultrapassar um Palio (a avenida era pista simples, depois transformada em
dupla) em cuja direção estava o prefeito. Quando conseguiram ultrapassa-lo,
foram feitos os disparos. Esta era a versão dos autos.
O Ministério Público
“encampou” essa versão denunciando “Andinho”. Tão logo a denúncia foi recebida,
como era praxe, foi nomeada a PAJ Criminal para defender “Andinho” e a tarefa
coube a mim. Deixando os detalhes de lado, nos autos havia pelo menos oito
versões, muitas surgidas na fase policial e umas poucas na fase processual.
Tudo isso está num livro por mim escrito intitulado “As várias mortes do
prefeito”, ainda não publicado. A razão do título é evidente: como dito, são
pelos menos oito versões da morte do prefeito.
Numa delas, dois adolescentes, que se declararam “moradores de
rua” e deram como endereço residencial “embaixo do viaduto Laurão”, foram
ouvidos uma semana após o fato e disseram que viram na noite do fato um Vectra
prata “modelo antigo” ocupado por duas pessoas; o veículo parou e dele desceu
um negro portando um revólver e se posicionou atrás de uma placa no canteiro
central (detalhe: não havia canteiro central). Quando essa pessoa apontou o
revólver para um carro que vinha ele tapou os ouvidos, não tendo, assim, ouvido
disparos. O atirador foi até o Palio e voltou com uma pasta branca nas mãos.
Esses dois menores não puderam ser ouvidos em juízo pois não foram encontrados.
Noutra, quatro jovens confessaram que, utilizando duas motos,
foram praticar um “assalto” naquele local e, ao abordarem o prefeito, este não
atendeu a ordem e foram efetuados disparos, vitimando-o. O vigia de uma revenda
localizada onde se deu a morte, corroborou essa versão; depois, retratou-se. Quando
estavam para assinar a confissão de culpa, na presença de três Delegados de
Polícia e três Promotores de Justiça, eles se retrataram, recusando-se a
assina-la.
Numa terceira, dada por uma pessoa que estava presa num
presídio local cujo nome foi omitido, o prefeito seria sequestrado para que
fosse extorquida a quantia de trezentos mil reais “sobra de campanha”. Ele
seria levado para uma chácara em Itatiba. Esta pessoa foi ouvida pelo Juiz da
Vara das Execuções Criminais de Campinas, e, dado o sigilo, seu nome bem como o
local em que estava preso foram omitidos. Esta versão não foi investigada.
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