Pular para o conteúdo principal

Morte do prefeito: o vestido de seda e o banco de couro



 
    
  Segundo a versão apresentada pelo Ministério Público para a morte do prefeito Toninho do PT, os tiros disparados contra o seu carro vieram do interior de um Vectra prata, no qual estavam “Anzo”, “Fiinho”, “Valmirznho”, e, claro, Wanderson Nilton de Paula Lima, alcunhado “Andinho”. Os disparos, ainda segundo a versão oficial, foram feitos por “Anzo”, reconhecido no mundo do crime por atirar por motivo de somenos. Os três primeiros foram mortos: “Anzo” e “Valmirzinho” em Caraguatatuba; “Fiinho” em uma chácara em Itu, ocasião em que “Andinho” foi detido.
      Essa versão foi dada por outro, por assim dizer, “colega” deles, que disse ter ouvido-a de “Anzo”: os quatro ocupantes do Vectra prata haviam abordado outro Vectra numa rua do bairro Chácara da Barra, também conhecido por Novo Cambuí, em que estavam um funcionário público aposentado e um pintor de paredes: ambos tinham ido a uma casa do primeiro para fazer um orçamento a fim de pintar o imóvel, que era destinado à locação. As circunstâncias da abordagem frustrada nunca ficaram esclarecidas e, empreendendo fuga o quarteto, na avenida Mackenzie, que então era de pista simples, tiveram que diminuir a velocidade por conta do carro – um Palio – de Toninho, que trafegava na velocidade permitida. Ao conseguirem ultrapassar, os disparos foram feitos e um deles acertou o prefeito, atravessando a parte de baixo do antebraço esquerdo, entrando no tórax por esse mesmo lado, perfurando os pulmões, saindo. O calibre da arma era 9mm. O Vectra prata foi encontrado e apreendido, sendo periciado. Era produto de um roubo na cidade mineira de Uberaba.
      Dias antes desse trágico evento, a filha de um empresário de Campinas fora sequestrada por “Valmirzinho” (e outras duas pessoas) e permanecera em poder dos seus algozes por várias horas. Ao assumir a defesa de “Andinho”, lembrei desse caso e assaltou-me uma dúvida: qual carro teria sido utilizado no sequestro da filha do empresário já que ao menos uma pessoa era comum nos dois casos: “Valmirzinho”.
      Para inteirar-me da situação, fui ao cartório da 4ª Vara Criminal de Campinas, por onde tramitavam os autos do sequestro e bingo! o carro era o mesmo: um Vectra prata. A perícia feita no carro apreendido no processo da morte do prefeito apontava que os bancos eram de tecido e isso chamou a minha atenção, pois no processo do sequestro, a filha do empresário descrevera os bancos do Vectra em que estivera por várias horas eram de couro e a sua conclusão derivava do fato de estar com um vestido de seda e nas curvas, quase sempre feitas em alta velocidade, ela “deslizava”.
      Ao me ser dada oportunidade de apresentar a defesa prévia no processo da morte do prefeito, arrolei a filha do empresário como testemunha para ao menos provar que não eram os mesmos carros utilizados por “Valmirzinho”, e, por consequência, enfraquecer a tese apresentada pelo Ministério Público para a morte do prefeito. Ela, evidentemente, ficara traumatizada com o fato do sequestro, e estava em prantos no dia do seu depoimento na Vara do Júri. O seu advogado, que eu conhecia de longa data, pediu-me que dispensasse o depoimento dela, mas, a fim de tranquiliza-lo (e a ela), informei-o que faria somente uma pergunta: de qual material era o banco do Vectra prata dirigido por “Valmirzinho” quando ela foi sequestrada? Feita e pergunta, veio a resposta: de couro. Por que? Porque eu estava usando um vestido de seda e “deslizava” nas curvas.
      Esse foi apenas um dos aspectos para desacreditar a tese oficial e que auxiliou no desfecho: a impronúncia de “Andinho”, com a qual o Ministério Público não se conformou, interpôs recurso que foi improvido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
     

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...