Quando
eu comecei a cursar Direito, isto nos idos de 1971, já se falava em “crise no
sistema penitenciário”. Como expressão sinônima, usava-se, em vez de crise, “falência”.
De lá a esta data, a situação piorou, o que mostra claramente o descaso das
autoridades brasileiras com o assunto. Não só descaso das autoridades
administrativas, mas de outros poderes, sendo que ambos - Poder Legislativo e Poder Judiciário - contribuem para a continuidade do problema: o primeiro produzindo leis que ignoram o problema e o segundo utilizando excessivamente o encarceramento antecipado.
A
pena privativa de liberdade – este é o seu nome correto – no Brasil divide-se
em reclusão e detenção, existindo, ainda, a prisão simples, modalidade
reservada às contravenções penais (no dizer de Nelson Hungria, a contravenção
penal é um “crime anão”). Ambas devem ser cumpridas em regime fechado,
semiaberto e aberto, conforme as regras estabelecidas no Código Penal e na Lei
de Execução Penal. Elas são cumpridas, por assim dizer, de forma progressiva,
podendo o condenado ser promovido do regime mais severo para um menos severo,
conforme o seu merecimento. Da mesma forma, poderá regredir de um regime menos
severo para um mais severo, também dependendo de seu merecimento.
Para
todos os crimes, conforme definição da lei de introdução ao Código Penal, há a
cominação de uma pena privativa de liberdade, que pode ser cumulada com a pena
de multa, ou sendo esta uma alternativa aquelas. À primeira vista, pode parecer
que sempre que uma pessoa for condenada será a ela imposta uma pena privativa
de liberdade, o que é correto, porém em termos, já que há a possibilidade de
que ela seja substituída por uma pena restritiva de direitos, tal qual a
prestação de serviços à comunidade (uma das vertentes é o famoso pagamento de uma cesta básica): em
vez de ser encarcerado, o condenado presta serviços comunitários. Porém, esta
alternativa tem alcance reduzido, pois somente é aplicável a crimes cometidos
sem violência ou grave ameaça e cuja pena imposta não seja superior a quatro
anos. Este limitador impede que seja mais largamente utilizada.
A
partir de uma reforma levada a efeito no ano de 2011, a prisão preventiva
passou a ser a última medida coercitiva à disposição do juiz, podendo este usar
outras formas de coerção, como, por exemplo, a proibição de ausentar-se do país
ou o uso de tornozeleira eletrônica. Porém, o que se vê no cotidiano forense
são prisões decretadas como primeira medida coercitiva aplicada pelo Poder
Judiciário e não como última alternativa. Para os crimes em que a pessoa é
apanhada em flagrante, foi criada a “audiência de custódia”, em que o flagrado
é apresentado à autoridade judiciária que o mantém preso ou o libera mediante
condições, sendo estas aquelas mesmas medidas coercitivas referidas
anteriormente.
Nenhum
país do mundo em que a pena privativa de liberdade é adotada está isento de
crise e isso foi dito e demonstrado numa palestra feita em São Paulo pelo
professor Alessandro Baratta (já falecido), um dos maiores conhecedores do
assunto. Sirva como exemplo o sistema penitenciário dos Estados Unidos: o país
com o maior número de encarcerados do mundo, as prisões são dominadas por
gangues que brigam entre si.
Uma
tímida radiografia do problema mostra que, em primeiro lugar, ele está na
própria natureza da pena: ela tira da pessoa o direito de ir e vir, colocando-a
num espaço exíguo e entre pessoas que nunca viu e com as quais talvez seja
problemático conviver; em segundo lugar, no excessivo uso do aprisionamento,
seja de forma cautelar (prisão provisória, prisão preventiva), em vez de se
utilizar mais as medidas alternativas à prisão; em terceiro lugar, o descaso
das autoridades administrativas, que não constroem prisões, deixando que a
superlotação carcerária seja uma constante. Dizia-se à boca pequena que esse
descaso era porque preso não vota... Se bem que atualmente alguns já foram
votados, tais como prefeitos, governador etc.
Há
mais um problema, este talvez o mais grave: o sistema carcerário está dominado
por organizações criminosas. Mas este é outro assunto.
(Abaixo fotos de um presídio: a galeria central, a sala de aula e armas artesanais apreendidas depois de uma rebelião.)
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