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Mostrando postagens de julho, 2012

O projeto do CP - crime doloso e crime culposo

No Código Penal, o dolo a culpa estão definidos no artigo 18: "diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia". Esta redação já constava no Código Penal de 1940, que teve uma nova Parte Geral no ano de 1984 e é a que consta atualmente. Quanto ao crime doloso, especialmente na modalidade dolo direto , não há dificuldade em entender. O verbo querer, constante do tipo, escancara que o sujeito ativo quer diretamente o resultado: quis o resultado. "Assumir o risco de produzi-lo" denota o dolo eventual e o "exemplo de manual" (a expressão é de Roxin) é o do caçador que vê a caça que tão ansiosamente procurava mas na linha de tiro está um lavrador (atualizando: um sem-terra) e, se errar o alvo, o projétil poderá atingir o sem-terra. "Dando de ombros", o caçador atira, assumindo o risco de, errando o objetivo,

A doutrina Parot e o total da pena

No Brasil, sabe-se que, conforme dispõe o artigo 75 do Código Penal, ninguém poderá permanecer preso por mais de 30 anos e em caso de concurso de crimes devem as penas ser unificadas para que seja atendido o preceito. Uma pessoa pode ser condenada a mais de 30 anos, a 90 anos, por exemplo, mas cumprirá esse limite legal. O problema surge quando se trata de requerer algum "benefício legal", tal como a progressão de regime, em que, se não se tratar de crime hediondo, a pessoa deve cumprir 1/6 da pena imposta: no cálculo para a progressão o percentual deve recair sobre a pena total ou sobre a unificada? Henri Parot, condenado por vários crimes como integrante do ETA, questionou perante a Suprema Corte de seu país se os cálculos para a obtenção de "benefícios" deveriam recair sobre cada pena em si ou sobre o total unificado (tal como aqui, lá também o limite máximo de encarceramento é de 30 anos): respondeu o tribunal que o cálculo deveria recair sobre cada pena e não

Projeto do CP - princípio da insignificância

O projeto de Código Penal pretende inovar em muitos pontos - alguns já apontados aqui. E a comissão que o redigiu houve por bem introduzir na legislação o princípio da insignificância. Sobre o que seja princípio, valham as lições de Miguel Reale, em "Filosofia do Direito": "princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade" (volume 1, página 54). O princípio da insignificância (ou da bagatela, como dizem alguns) foi formulado por Claus Roxin na década de 60 e, segundo ele, fundamentava-se na máxima romana "de minimis non curat praetor": quando a lesão ao bem jurídico for mínima, insignificante, não deve formar-se a tipicidade. Assim, uma lesão corporal levíssima ou uma porção mínima de entorpecente não deveriam ser objeto de punição. Quando ao crime de furto, Nélson Hungria já se manifestava na década de 5

Furto no Canadá

No último texto, fiz referência a um furto de que fui vítima no Canadá e prometi que o relataria, o que faço agora. Era o ano de 2006 e resolvi, juntamente com minha esposa, fazer uma viagem, por intermédio de uma operadora dos EUA,  cujo trajeto ia de New York até o Canadá, retornando a NY. Sempre ouvi dizer que este país era de primeiríssimo mundo, inclusive de brasileiros que ali residem. Mas a minha decepção se iniciou quando fui providenciar o visto de entrada: se fizesse por mim mesmo demoraria alguns meses; por intermédio de um despachante, demoraria alguns dias. A segunda decepção veio quando fiquei sabendo que o visto era válido por apenas 6 meses e dava direito a somente uma entrada. A terceira veio quando entrei: o funcionário da imigração inutilizou o visto. A quarta veio quando tomei conhecimento que, embora o dólar canadense valesse menos do que o estadunidense, os comerciantes canadenses os equiparam: uma compra paga com dólar estadunidense terá o troco em dólar canadens

Crime globalizado

Depois de quase 2 semanas sem postar nada aqui, por motivo de viagem, volto a este ofício que me tem acompanhado há vários anos. O título do escrito de hoje sugere, à primeira vista, que se trate de delitos que começaram a ser praticados com o advento desse fenômeno chamado "globalização", ou seja, algo novo, mas não é bem assim. É certo que o fenômeno trouxe consigo a criação de figuras penais diferentes, mas antigas práticas delituosas foram renovadas e surgiram em muitas partes do mundo. O antiquíssimo furto de carteira - "carteiristas" em espanhol, "pickpocket" em inglês - ultrapassou as fronteiras e tem ganho uma sobrevida no mundo. Outras formas de subtração foram revividas. As viagens que tenho feito me proporcionaram alguns exemplos: 1) em maio, em Santiago do Chile, um brasileiro, num dos restaurantes de um lindo shopping, levantou-se de sua cadeira para servir-se de mais comida, deixando a sua jaqueta nova no encosto da cadeira: ao voltar, a pe

O poder da mídia

Tenho escrito textos aqui acerca do poder da mídia quando noticia crimes: ele é devastador, chegando a representar até a condenação ou a absolvição de uma pessoa. Fazendo uma superexposição do acusado (em algumas situações, mero suspeito), chamando-o de "bandido" (como, creio, consta até do manual de redação de alguns órgãos da mídia), "marginal" e outros epítetos, ela faz um pré-julgamento da pessoa. Alguns órgãos de imprensa - FOLHA DE SÃO PAULO, por exemplo - referem-se à pessoa como "suposto traficante", "suposto homicida", etc. Às vezes a pessoa acusada é absolvida, mas essa superexposição faz com que o julgamento moral a condene e essa condenação nunca prescreve. Até hoje recebo um e-mail (o que me enfurece) apontando um estudante de medicina da USP que foi investigado sobre a morte por afogamento de um calouro da mesma faculdade, numa piscina, durante uma festa, ao que parece resultante de um trote. Ele não chegou a ser julgado (o inquérit

Brincadeira mortal

                        A festa de confraternização de final de ano daquele renomado curso de Campinas seria realizada num hotel na cidade de Jaguariúna. Prometia ser um sucesso.               No vestiário, que conjugava os banheiros masculinos, havia uma sauna; como ela estava apresentando defeito, não foi ligada e não poderia ser usada.                         Depois de algum tempo de transcurso da festa, algum desavisado ou ousado ligou-a e alguém percebeu que ela estava dando choque em quem se tocasse nela. O teor alcoólico no sangue preponderou e começaram as brincadeiras (ditas de “mau gosto”): pessoas eram empurradas contra a parede de metal da sauna e ao encostarem levavam um pequeno choque. Até momento em que um patrulheiro foi empurrado contra a sauna; como ele estava descalço e o chão do local àquela altura dos acontecimentos já estava muito molhado, a combinação foi fatal: o choque jogou-o desmaiado no chão. Foi socorrido e levado ao pronto-socorro, mas em

Nascida em 4 de julho

Oliver Stone dirigiu (e escreveu o roteiro) de um filme chamado "Nascido em 4 de julho"; o título deste texto, já por estar no feminino, não se refere à obra. Refere-se, isto sim, à nação que nasceu na data, mais especificamente, 4 de julho de 1776, dia independência dos Estados Unidos da América. Um país que tinha tudo para dar errado: na costa oeste, na Califórnia, há a Falha de San Andrés, enorme, em que, a qualquer momento, poderá ocorrer o "Big One", um terremoto que separará aquele estado do resto do país. Há desertos, em Nevada e Arizona (sem citar o Gran Canyon, com 480 km de extensão); há tornados no meio-oeste; há furacões na Costa Leste; há nevascas em vários estados, principalmente na fronteira com o Canadá. Mas deu certo, não apenas como descobridores de tecnologias (para citar algumas: computador, cartão de crédito, utilidades indispensáveis na vida atual, como também o telefone celular [o fixo também - Alexander Graham Bell]), como um respeito total

O projeto de Código Penal - conflito de normas

Um tema importante na aplicação da lei penal e sobre o qual o Código Penal era omisso, e a omissão pode-se dizer foi voluntária, chama-se conflito aparente de leis penais (ou conflito aparente de normas penais). É a situação em que 2 ou mais artigos de le i (na mesma lei: no Código, por exemplo; ou em artigos de leis diversas) aparentemente podem ser aplicados ao mesmo fato . Sobre o tema disse Nélson Hungria que o conflito não podia deixar de ser "aparente", nunca real, pois, dizia ele, o Direito Penal é um sistema harmônico e as suas "normas não brigam entre si". A doutrina, como forma de interpretação da lei penal quanto ao sujeito (que a interpreta, evidente), construiu os meios de resolver esses conflitos, elaborando princípios: a] especialidade; b] subsidiariedade; c] consunção. Alguns doutrinadores - Mirabete, por exemplo - viam um quarto princípio, o da alternatividade, aplicável somente quando o tipo penal violado fosse de conteúdo variado, de múltipla exec

O projeto de Código Penal

Terminou o trabalho da comissão de especialistas e o anteprojeto de Código Penal foi entregue ao presidente do Senado, o (infelizmente) imortal José Sarney: já está disponível no "site" daquela casa de leis. Muitas pessoas, especialmente as que ignoram o assunto, já se manifestaram, o que não é de assustar porque este é (atualmente) um país não mais de médicos e loucos, mas de juristas e loucos: parece que todos entendem, e muito, de Direito, especialmente de Direito Penal. O anteprojeto contém, como é evidente, alguns pontos polêmicos, mas em muitas aspectos ele representa um avanço. Antes de qualquer análise, devo dizer que o Código é dividido em duas partes, a Geral (que contém disposições aplicáveis a todos os crimes, como as espécies de pena) e a Especial, em que estão descritos os crimes e as respectivas penas. A Parte Geral é de 1984 e a Especial é de 1940, tendo esta sofrido incontáveis modificações ao longo desses 70 anos (70 anos porque o Código entrou em vigor a 1

A droga e o vermífugo

A reportagem principal de hoje da FOLHA DE SÃO PAULO, com chamada em letras garrafais na primeira página, é esta: "Droga no Brasil é 'batizada'com anéstesico e vermífugo'". Em termos amplos, desde logo pode-se afirmar que o vermífugo é uma droga: onde ele é comercializado? Nas drogarias, ora pois. A palavra "batizada" indefectivelmente traz à mente uma frase do melhor humorista do momento, o insuperável José Simão: "o Brasil é um país tão religioso que até a gasolina é 'batizada'". Até aqui, tudo certo. O que chama a atenção é que somente agora é que o fato foi constatado. Desde sempre as drogas foram adulteradas. Uma história para ilustrar: corria o ano de 1975, eu concluía o curso de Direito da PUCCampinas e era escrevente do 3o. Cartório Criminal da comarca de Campinas: o tráfico de drogas ainda "engatinhava" em Campinas e fazia alguns anos que havia entrado em vigor uma nova lei de entorpecentes que modificara o artigo 28