Pular para o conteúdo principal

O projeto de Código Penal

Terminou o trabalho da comissão de especialistas e o anteprojeto de Código Penal foi entregue ao presidente do Senado, o (infelizmente) imortal José Sarney: já está disponível no "site" daquela casa de leis. Muitas pessoas, especialmente as que ignoram o assunto, já se manifestaram, o que não é de assustar porque este é (atualmente) um país não mais de médicos e loucos, mas de juristas e loucos: parece que todos entendem, e muito, de Direito, especialmente de Direito Penal. O anteprojeto contém, como é evidente, alguns pontos polêmicos, mas em muitas aspectos ele representa um avanço.
Antes de qualquer análise, devo dizer que o Código é dividido em duas partes, a Geral (que contém disposições aplicáveis a todos os crimes, como as espécies de pena) e a Especial, em que estão descritos os crimes e as respectivas penas. A Parte Geral é de 1984 e a Especial é de 1940, tendo esta sofrido incontáveis modificações ao longo desses 70 anos (70 anos porque o Código entrou em vigor a 1o. de janeiro de 1942). O artigo 1o. do Código Penal, desde muito tempo, contempla o princípio da legalidade logo no artigo 1o.: "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal". Este é o mais importante princípio que rege a aplicação do Direito Penal e tem uma história muito bonita: ele teria surgido pela primeira vez na Magna Carta de João Sem Terra, em 1215, no artigo 39. Tal entendimento não é compartilhado pelo alemão Claus Roxin: para ele, o princípio surgiu na Declaração de Independência das Colônias Norte-Americanas, em 4 de julho de 1776, atravessando o Oceano Atlântico, indo constar da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa (26 de agosto de 1789). É o maior garantidor do cidadão contra o arbítrio estatal.
No projeto, o artigo 1o. continuará a contemplar o mesmo princípio, mas a novidades está no parágrafo único: "não há pena sem culpabilidade". Há mais de 60 anos, aquele que foi apelidado "o princípe dos penalistas brasileiros", o ministro do STF Nélson Hungria, presidente da comissão que elaborou o projeto que se tornou o CP de 1940, já proclamava em seus "Comentários ao Código Penal": a culpabilidade é fundamento da pena; a periculosidade é fundamento da medida de segurança".
Talvez aos críticos pareça uma alteração de somenos importância, mas é uma proclamação que vem a prestigiar um entendimento que se consolidou ao longo do tempo.
Aos poucos, irei abordando as modificações que o projeto pretendeu trazer ao Direito Penal brasileiro.
Silvio Artur Dias da Silva

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...