Pular para o conteúdo principal

O poder da mídia

Tenho escrito textos aqui acerca do poder da mídia quando noticia crimes: ele é devastador, chegando a representar até a condenação ou a absolvição de uma pessoa. Fazendo uma superexposição do acusado (em algumas situações, mero suspeito), chamando-o de "bandido" (como, creio, consta até do manual de redação de alguns órgãos da mídia), "marginal" e outros epítetos, ela faz um pré-julgamento da pessoa. Alguns órgãos de imprensa - FOLHA DE SÃO PAULO, por exemplo - referem-se à pessoa como "suposto traficante", "suposto homicida", etc. Às vezes a pessoa acusada é absolvida, mas essa superexposição faz com que o julgamento moral a condene e essa condenação nunca prescreve. Até hoje recebo um e-mail (o que me enfurece) apontando um estudante de medicina da USP que foi investigado sobre a morte por afogamento de um calouro da mesma faculdade, numa piscina, durante uma festa, ao que parece resultante de um trote. Ele não chegou a ser julgado (o inquérito foi arquivado) e o e-mail alerta para que o fato não seja esquecido e aponta onde o agora médico trabalha. As pessoas que enviam esse e-mail, certamente influenciadas pela mídia, não respeitam sequer as manifestações dos órgãos estatais, que optaram pelo arquivamento.
Outro exemplo: a chamada "fraudadora-mor" do INSS, Jorgina, que foi condenada e teve os bens arrestados (e leiloados, segundo se noticiou), foi nomeada para um cargo no estado do Rio de Janeiro. O e-mail chama isso de absurdo, mas o absurdo está contido no próprio e-mail: se a pessoa foi condenada, cumpriu a pena que lhe foi imposta, foi considerada reabilitada (pode-se chamar de "reeducada") e depois foi nomeada para um cargo, qual é o problema? Na visão canhestra das pessoas que enviam esse tipo de e-mail, os efeitos da condenação deveriam ser perpétuos, o que não se coaduna com as leis brasileiras (penal, processual penal e de execução penal0.
Essas ideias me vieram quando vi sem querer (enquanto "zapeava") um ex-famoso costureiro, que, num programa veiculado numa emissora de televisão que obtém "traço" de audiência, dava "alfinetadas" em pessoas famosas. Imediatamente lembrei de seu envolvimento numa ocorrência policial, consistente em furtar objetos de um cemitério paulistano: ele foi apanhado em flagrante quando se retirava do local carregando alguns objetos. Processado, foi absolvido. Mas até hoje carrega a mácula de "ladrão de cemitério" (foi assim que a ele se referiu um apresentador de um programa de rádio - numa emissora AM).
Não é curioso? Já dizia o filósofo: "homo hominis lupus" (frase atribuída a Plauto e popularizada por Hobbes).



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...