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Mostrando postagens de outubro, 2012

A cabeça no ponto de ônibus

               Ao tomar conhecimento de que atuaria, óbvio que como defensor dativo oficial, na defesa de um daqueles réus, estremeci, logo imaginando que a minha tarefa seria hercúlea. Tratava-se, sim, de mais um homicídio, porém, seja pela motivação, seja pela forma de execução, fugia aos padrões dos processos em que até então eu atuara. E que tinham sido muitos.             Segundo os indícios apontavam, a motivação do crime seria um barraco numa favela em Campinas, contudo, não esclareciam se o ilícito se dera em disputa da posse (ou propriedade?) do imóvel ou, então, uma perlenga pelos alugueis atrasados. Seja por qualquer motivo desses dois que fosse, o homicídio já tinha sido classificado como qualificado e pelo motivo torpe. Os, a esta altura, acusados, posto que já havia denúncia oferecida contra ambos, haviam tirado a vida da vítima no interior do barraco – móvel do delito – em que esta morava e cortaram a sua cabeça. Esta foi colocada no ponto de ônibus da linha que pa

O STF, o "mensalão" e alguns princípios constitucionais

              O julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal da AP 470, popularmente conhecida como “mensalão”, tem trazido à discussão – e de forma   às vezes acalorada, quase com ofensas pessoais -, especialmente na fase de dosimetria da pena, a aplicação de alguns princípios de Direito Penal. Alguém já disse alhures que, por vezes, a mais alta corte de justiça brasileira julga politicamente e não juridicamente. Isso parece que tem acontecido em alguns pontos desse julgamento já batizado como o mais rumoroso do STF. É óbvio que, para que fosse feita uma análise mais profunda, e séria, o acórdão tivesse sido publicado, bem como os prováveis votos vencidos, ou seja, as manifestações dos ministros que tenham porventura discordado da maioria. (Cumpre esclarecer que os ministros que absolveram alguns réus, por óbvio não participarão da fase do julgamento que imporá as penas.) Porém, lendo a denúncia e assistindo a algumas sessões do pleno torna possível fazer es

José Dirceu: possíveis penas

Já que muita gente está fazendo prognósticos, aventurar-me-ei a fazer um, porém, mais humilde e restrito: analisarei a possível pena total que será imposta àquele que a Procuradoria Geral da República acusou na denúncia de ser o "chefe de quadrilha": José Dirceu. A ele era imputada a prática, por 9 vezes, do crime de corrupção ativa - artigo 333 do Código Penal -, cuja pena cominada é de 2 a 12 anos de reclusão, mais multa. A denúncia queria, ainda, que as penas fossem aplicadas em concurso material - artigo 69 do CP -, ou seja, somadas as penas de todos os 9 delitos. A pena prevista ao crime de quadrilha ou bando (e NUNCA, como quer a mídia, "formação de quadrilha") é de 1 a 3 anos de reclusão. A pena imposta a este crime deveria, nos termos da denúncia, ser somada - concurso material - às penas dos crimes de corrupção ativa. Para clarear: José Dirceu ofereceu (não apenas ofereceu, mas entregou) vantagem indevida, consistente em dinheiro, a 9 parlamentares de par

O assaltante narcisista

                          Foi um daqueles roubos (segundo a mídia, “assaltos”) cinematográficos e nos tempos atuais até corriqueiros: duas mulheres chegando de carro em casa no período noturno, durante o tempo em que o portão é aberto para a entrada do veículo os ladrões entram junto e tomam aquelas pessoas de assalto.                         No interior do imóvel, começam a procurar por objetos de valor, geralmente eletrônicos e, na atualidade, de informática. Nesse “modus operandi”, os ladrões colocam todos os bens no interior do veículo: se for suficiente o porta-malas, tudo bem; se não for, é utilizado o banco de trás. Por vezes, se houver mais de um veículo e muitos bens, todos são levados.                         Enquanto procuravam os bens que iriam ser surripiados, descobriram algo que demonstrava que a moradora da casa era policial; foi encontrada a sua carteira funcional, bem como a sua arma. Coronhadas foram desferidas, ameaças foram proferidas; por fim, a dupla d

As várias mortes do prefeito - capítulo 68

-->                        Uma sexta-feira, depois de cinco da tarde, na sede da PAJ estávamos eu e os seguranças somente. O dia fora como qualquer outro: plantão de atendimento de público no período da manhã, serviço interno no período da tarde. De repente, veio uma idéia: a filha de um empresário local, de nome Monique, havia sido sequestrada por “Valmirzinho” e poucos dias antes da morte do prefeito. Em casos desse tipo de crime, como é óbvio, os sequestradores fazem contatos – vários contatos – com os familiares para “negociar” [1] o valor do resgate e então a autoridade policial solicita ao Juiz de Direito autorização para monitorar o telefone que os sequestradores estão utilizando, bem como gravar as conversas. Era possível que “Valmirzinho” tivesse tido o seu aparelho monitorado.                         Pensando nisso, fui ao fórum, diretamente ao cartório do distribuidor e ali solicitei informação de sobre distribuição de processo pelo nome da vítima, Monique. Havia u

Espécies criminais em extinção

É certo que a Parte Especial - a que define os crimes e comina as penas - do Código Penal é de 1940, tendo entrado em vigor a 1º de janeiro de 1942, o que, parcialmente, explica porque certos crimes não mais ocorram, ou aconteçam muito pouco. De outro lado, a velocidade com que novas inventos surgem e são aperfeiçoados é muito grande. Essas duas vertentes explicam porque alguns crimes nos dias atuais figuram no rol de "espécies em risco de extinção". Eles, os crimes, estão ligados àquela época do romantismo, da seresta, em que o advogado criminal era, no dizer de Francis Lee Bailey ("A defesa não para"), "um lobo solitário". Assim está acontecendo com algumas modalidades de estelionato. É certo que o advento da internet favoreceu a manutenção de algumas formas desse delito patrimonial - e até facilitou o seu cometimento -, mas aquelas que dependiam unicamente da "lábia" do estelionatário face a face com a vítima decresceram. Para relembrar, o es

O projeto do CP e a barganha

A ação penal divide-se em pública e privada; a primeira subdivide-se em incondicionada e condicionada (à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça); a privada, em exclusiva e subsidiária da pública. Sem pretender esmiuçar essa divisão, quase todos os crimes são de ação penal pública - esta é a regra, que, aliás, está escrita no artigo 100 do Código Penal ("a ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido"). Num sistema punitivo como o brasileiro, em que prevalece a ação penal pública, sendo raros os crimes em que é exigida a representação do ofendido, e mais raros ainda os crimes de ação penal privada, a vítima (ou sujeito passivo ou ofendido) tem pouca ou nenhuma voz na solução do litígio: no crime de ação penal pública incondicionada, o Ministério Público pode iniciá-la ainda que contra a vontade da vítima, nada podendo detê-la depois de iniciada, somente terminando com uma decisão judicial, que pode ser conden

A teoria do domínio do fato e o ex-presidente da Petrobras

A teoria referida no título tem outros nomes: teoria do domínio funcional do fato e teoria do domínio final do fato são apenas outros dois. No Brasil, pouco se escreveu sobre ela: Julio Fabbrini Mirabete dedica-lhe umas poucas linhas (um parágrafo, na verdade) no volume 1 de seu "Manual de Direito Penal"; Damásio de Jesus, francamente adepto de outra teoria, refez o seu pensamento e passou a adotá-la, inicialmente numa separata, depois incorporada m sua obra "Direito Penal", volume 1; Cezar Roberto Bitencourt a expõe, inicialmente afirmando que se trata "de uma elaboração superior às teorias até então conhecidas", esclarecendo que ela surgiu em 1939 com o "finalismo de Welzel" ("Tratado de Direito Penal", volume 1, página 549). Diz, ainda, este doutrinador brasileiro: "mas foi através da obra de Roxin, Täterschaft und Tatherrschaf inicialmente publicada em 1963, que a teoria do domínio do fato foi desenvolvida, adquirindo uma impor

As mortes do prefeito (capítulo 6)

Uma semana após o homicídio, foram ouvidos dois adolescentes, um de 15 anos de idade, outro de 16, ambos “moradores de rua”, declarando como endereço residencial “embaixo do viaduto Lauro Péricles Gonçalves” (“Viaduto do Laurão” – “sic”). O primeiro a ser ouvido narrou a seguinte história: dirigia-se, em companhia do outro, ao Parque Brasília, e quando estavam defronte a concessionária Adara, próxima ao shopping, “viu que um veículo GM Vectra de cor cinza, modelo antigo, desceu a avenida que liga o shopping à rodovia D. Pedro I em alta velocidade, parando próximo ao canteiro que existe em frente à concessionária Adara”; o veículo era ocupado por duas pessoas; não viu o motorista, não podendo, portanto, descrevê-lo; o seu amigo afirmou-lhe que tinha visto tal pessoa algumas vezes na Vila Brandina e no Parque Brasília; a segunda pessoa - portanto, não era o motorista – um negro, estatura mediana, trajando bermuda e camiseta preta, além de um gorro preto na cabeça, d

"Judite"

Ocorreu no final da década de 90, na cidade de Campinas, um fato – foi mais de um, na verdade – que a mídia local, sempre ávida para colocar epítetos em acontecimentos, chamou de “a noite do massacre nos motéis”. Foram praticados roubos em dois motéis e mortas algumas pessoas durante a sua realização. Na fuga, os latrocidas praticaram mais um roubo, desta vez contra os ocupantes de um veículo, matando mais pessoas.                         As investigações efetuadas pela Polícia Civil, especialmente pelo 4° Distrito Policial, circunscrição a que pertenciam os locais onde se deram os fatos, concluíram que um policial militar de prenome Jaime havia participado das ocorrências. Ele foi delatado aos investigadores de polícia por um dos partícipes das empreitadas delituosas e, curiosamente, quando de sua prisão, calçava as botas de uma das vítimas, conforme o delator havia descrito. Teve a sua prisão temporária decretada [1] .                           Além desse processo [2] , o