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As mortes do prefeito (capítulo 6)


Uma semana após o homicídio, foram ouvidos dois adolescentes, um de 15 anos de idade, outro de 16, ambos “moradores de rua”, declarando como endereço residencial “embaixo do viaduto Lauro Péricles Gonçalves” (“Viaduto do Laurão” – “sic”). O primeiro a ser ouvido narrou a seguinte história: dirigia-se, em companhia do outro, ao Parque Brasília, e quando estavam defronte a concessionária Adara, próxima ao shopping, “viu que um veículo GM Vectra de cor cinza, modelo antigo, desceu a avenida que liga o shopping à rodovia D. Pedro I em alta velocidade, parando próximo ao canteiro que existe em frente à concessionária Adara”; o veículo era ocupado por duas pessoas; não viu o motorista, não podendo, portanto, descrevê-lo; o seu amigo afirmou-lhe que tinha visto tal pessoa algumas vezes na Vila Brandina e no Parque Brasília; a segunda pessoa - portanto, não era o motorista – um negro, estatura mediana, trajando bermuda e camiseta preta, além de um gorro preto na cabeça, desceu do Vectra com uma arma na mão e se posicionou atrás de uma placa de propaganda  existente no meio do canteiro, ficando ali a observar por alguns instantes; não ouviu tiros, pois tapou os ouvidos com as mãos, após jogar-se ao chão; alguns instantes depois levantou-se e “viu que o sujeito que descera do Vectra voltava do lugar onde o Fiat Palio havia parado, trazendo nas mãos algo semelhante a uma prancheta ou a uma pasta, de cor branca”. Disse, ainda, que a pessoa que apanhara a pasta correu em direção ao Vectra; este andou em marcha-ré para apanhá-la, tendo a pessoa adentrado o veículo, que saiu em disparada pela estrada que liga o shopping ao Parque Brasília.
                        O segundo adolescente a ser ouvido e que era o acompanhante do primeiro, descreveu, em linhas gerais, o mesmo que dissera o outro adolescente, especialmente quanto ao veículo, a velocidade e a direção, reafirmando que tal veículo parou no canteiro central; afirmou ter visto o motorista e o descreveu assim: branco, cabelos escuros e curtos, topete loiro. Disse tê-lo visto algumas vezes na Vila Brandina e no Parque Brasília, tendo-o visto pela última vez no dia 14 de setembro – 3 dias antes, portanto – no semáforo do Shopping Iguatemi: nessa ocasião essa pessoa conduzia um veículo VW Golf, de cor vermelha. O segundo ocupante do veículo foi descrito da mesma forma como o descreveu o primeiro adolescente, distanciando-se porém no que consta aos tiros propriamente ditos: declarou que surgiu um Fiat Palio , cuja cor não se recordava, e que quando este veículo se aproximou da lombada ali existente, “o indivíduo se aproximou sorrateiramente e disparou duas vezes contra o motorista do Pálio e que este veículo, após os disparos, continuou descendo a avenida em baixa velocidade, subiu no barranco que fica em frente à Adara, do outro lado da avenida e parou em seguida; o indivíduo que disparou contra o veículo desceu a avenida em direção ao Palio, não sabendo dizer se houve mais algum disparo, mas que viu quando o sujeito voltou trazendo nas mãos algo semelhante a uma prancheta ou uma pasta. O atirador voltou correndo para o Vectra, que voltou um trecho em marcha ré para buscá-lo; após adentrá-lo, o veículo partiu em disparada pela estrada que liga a avenida do shopping ao Parque Brasília.
                        Pode-se dizer que as narrativas dos adolescentes formam a primeira versão sobre a morte do prefeito.

           

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