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Mostrando postagens de outubro, 2014

José Dirceu e a prisão domicilar

                 José Dirceu de Oliveira e Silva foi – ainda é – um dos personagens mais controvertidos da História do Brasil – a contemporânea. Metido em movimentos universitários, depois, com a chegada dos militares ao poder, participou de sequestros, foi banido do Brasil, indo morar em Cuba, onde participou de treinamentos de guerrilha (se bem que, como consta da biografia “Dirceu”, escrita pelo jornalista Otávio Cabral, era um “corpo mole”, não se dedicando muito aos exercícios) e submeteu-se a uma cirurgia plástica para alterar a fisionomia. Voltou ao Brasil com a anistia, indo residir no Paraná, onde formou família – nem a sua mulher sabia de sua verdadeira identidade. Foi um dos fundadores do PT e no primeiro mandato de Lula foi o todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil – quase um primeiro-ministro. Nessa condição, foi um dos “operadores” do mensalão, que somente foi posto a público por conta de Roberto Jefferson.                 Teve o seu mandato parlamentar –

Pizzolato e as prisões brasileiras

       A história de Henrique Pizzolato é de quase todos conhecida: de simples ex-presidente do Sindicato dos Bancários da cidade de Toledo, Paraná, foi alçado à condição de diretor do Banco do Brasil. Usando recursos do Visanet, ele foi um dos os “alimentadores” do “mensalão” e por ter sido comprovada a sua participação nos crimes apurados na Ação Penal n° 470, que tramitou no Supremo Tribunal Federal, foi condenado e lhe foi imposta a pena de 12 anos e 7 meses de reclusão, no regime inicialmente fechado.       Ao contrário do que fizeram todos os outros acusados, ele preferiu não recorrer, deixando que a condenação transitasse em julgado, bandeando-se do Brasil à Itália, já que tinha dupla cidadania. Quase todos os acusados recorreram, e muitos, aqueles cujas condenações não tinham sido unânimes, obtiveram êxito em suas pretensões recursais, com a diminuição da pena e a mudança de regime, de fechado para semi-aberto; alguns já obtiveram progressão, estando presentemente no reg

O quase engano

          Quase defronte o prédio em que funcionava a AJ, na Rua Regente Feijó (entre a Barreto Leme e a Benjamin Constant), ficava todos os dias uma pessoa vendendo cartões de zona azul. Hábito, aliás, encontradiço em diversos pontos da cidade, pelo qual a pessoa amealha algum dinheiro até o final do dia.           Havia um estuprador atuando naquela área central: esperava mulheres que trabalhavam em escritórios e repartições públicas, dominava-as e as levava, no próprio carro da vítima, até o local em que as estuprava. O seu local escolhido era em Aparecidinha.           Uma de suas vítimas trabalhava no fórum e foi isso que quase ocasionou um grande engano. Para melhor investigar, foi elaborado um retrato falado do estuprador e cópias foram afixadas em vários prédios do centro, nas proximidades dos locais em que ele dominava as suas vítimas. Um dos exemplares, evidentemente, no saguão do fórum.           Certa manhã, ao haver terminado o plantão de atendimento de públ

O desafio da raquetinha e o olho do porco no rolete

                                                               Houve uma época em Campinas em que o jogo de “raquetinha” era uma verdadeira febre. Comecei a praticar esse esporte na chácara do saudoso amigo Carlos Queiroz, merecidamente apelidado de “Conde” tal era a sua fidalguia, no ano de 1986. Ali jogavam Padre Chiquinho (pároco da Igreja Santa Rita de Cássia), Acácio Silva, José Augusto Marin, Alfredo Luca, Roberto Telles Sampaio, Luiz Queiroz (“Zinho”, o melhor jogador de rede que já vi), Carlinhos Queiroz, Ângelo Carvalhaes e muitos outros. Em dezembro, indefectivelmente, era realizado o Torneio de Santa Rita, com premiação de taças e medalhas.       Nas décadas seguintes, a febre recrudesceu, com o esporte sendo praticado em academias, pagando-se, óbvio, pelo uso das quadras, e essas mesmas academias – Vera Cleto, João Soares, All Rackets, e mais tardiamente Tella Tennis – promoviam torneios. Nos clubes também se praticava o esporte e também eram promovidos torneios: Cul

A delação premiada e o exercício regular de direito

      A delação premiada é um instituto antigo no Direito Penal italiano e foi a forma que o Estado encontrou para exercer o poder-dever de punir contra os “mafiosos” com eficácia. A palavra mafiosos vai entre aspas porque há diversas “máfias” na península itálica, podendo ser apontadas a “Cosa Nostra”, a “’Ndrangheta”   e a “Mano Nera”. Em geral, o termo “máfia” vem sendo utilizado há tempos como uma expressão genérica para designar uma organização criminosa. Seria desnecessário dizer que o Estado italiano é, no mundo, o que tem mais experiência no combate a essa espécie de criminalidade.       Quando no Brasil, na década de 90, mais especificamente no ano de 1990, se pretendeu apresentar um projeto de lei que regulamentasse o preceito constitucional que houvera criado os crimes hediondos (convertido na Lei n°8.072), os autores do projeto foram busca inspiração na “legge” do país peninsular e foram seduzidos, ainda que de forma tímida, pelo instituto da delação premiada, e,

A caixa basculante

          Não é conversa de saudosista, mas a criminalidade romântica está em extinção. Infelizmente. E isto é afirmado não apenas como sintoma de saudade, mas sim porque a criminalidade atual, além dos níveis estratosféricos, está violenta. O maior penalista do Brasil de todos os tempos, Nélson Hungria, já proclamava algo semelhante a isso nos anos cinquenta ao comentar o crime de estelionato. A esperteza, a habilidade e a lábia estão cedendo lugar para a truculência. Crimes patrimoniais violentos estão quase ocupando os lugares mais elevados nas estatísticas criminais.           O batedor de carteira – furto com destreza –, o estelionatário – que utiliza apenas o seu poder de convencimento para aplicar, por exemplo, o golpe do bilhete premiado –, o ladrão que enganava a vítima dizendo-se empregado de uma concessionária de serviço público (usando até uniforme e crachá) para entrar no domicílio da vítima, as falsas domésticas. Estas espécies de criminosos estão escasseando.

O juiz de paz da roça e a anistia

      Martins Pena nasceu (como Luis Carlos) no Rio de Janeiro aos 5 de novembro de 1815 e faleceu em Lisboa aos 7 de dezembro de 1848: tinha (somente) 33 anos de idade. Foi diplomata e dramaturgo e nesta condição é considerado o introdutor da comédia de costumes no Brasil; alguns o apelidaram de “Molière” [1] brasileiro. A sua peça mais conhecida, já que foi gravada como minissérie televisiva, é “O noviço”. Mas a mais engraçada, sem dúvida, é “O juiz de paz da roça”, comédia em um ato.       A obra, satírica ao extremo, foi escrita em 1837 – quando ele tinha 22 anos – e retrata a vida de um juiz de paz preguiçoso e corrupto. Num dos episódios resolvidos pelo juiz, há uma disputa entre dois vizinhos acerca da propriedade de um leitão: o mamífero quadrúpede havia invadido a horta do vizinho e ali comido alguns nabos e somente pela invasão o dono da horta quis apropriar-se do bicho. Ambos comparecem perante o juiz e este os aconselha a, para encerrar a querela, darem o animal

Alice e as câmeras de segurança

                                                                  Sempre que se ouve o nome Alice, pensa-se na mais famosa delas – sexo feminino, claro, pois há o Alice Cooper -, a que esteve no país das maravilhas, e foi criada por Lewis Carroll – cujo nome no registro de pessoas naturais era Charles Lutwidge Dogdson – baseada numa pessoa de carne e osso chamada Alice Pleasance Ludell, filha do reitor do Christ College, estabelecimento de ensino em que Lewis ministrava aulas de matemática (além de matemático, ele era desenhista, fotógrafo e reverendo anglicano). Passeando de barco com Alice e suas duas irmãs, ele inventou a história para deleite das meninas e Alice gostou tanto que ele resolveu escrevê-la. Ela tinha 10 anos de idade.       Mas a Alice que ocupa o título deste texto é outra, também inglesa, mas que não teve o mesmo destino que a da história. A do título tem o sobrenome Gross e desapareceu em Londres no dia 28 de agosto de 2014, tendo sido o seu corpo encontrado n

O aborto, mais uma vez

      Existem temas tabus cuja abordagem desencadeia emoções profundas em grande parcela da população: tais assuntos não são abordados nem em campanhas políticas, pois os candidatos tremem de medo de desagradar parte do eleitorado e com isso perder votos.       Um dos temas é o aborto. Sabe-se que no Brasil há duas modalidades de aborto permitido: o aborto sentimental e o aborto necessário, também chamado de terapêutico. Eles existem, fixando-se apenas na existência do Código Penal, desde o ano de 1940 (é deste ano o atual código, tendo entrado em vigor a 1° de janeiro de 1941); consiste o primeiro na interrupção da gravidez quando ela resulta de crime contra a dignidade sexual, mais especificamente contra a liberdade sexual, vale dizer: estupro. Esta modalidade deve ser precedida “de consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal (artigo 128, inciso II). O segundo ocorre quando “não há outro meio de salvar a vida da gestante” (artigo 128, inciso I); e