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José Dirceu e a prisão domicilar




      
          José Dirceu de Oliveira e Silva foi – ainda é – um dos personagens mais controvertidos da História do Brasil – a contemporânea. Metido em movimentos universitários, depois, com a chegada dos militares ao poder, participou de sequestros, foi banido do Brasil, indo morar em Cuba, onde participou de treinamentos de guerrilha (se bem que, como consta da biografia “Dirceu”, escrita pelo jornalista Otávio Cabral, era um “corpo mole”, não se dedicando muito aos exercícios) e submeteu-se a uma cirurgia plástica para alterar a fisionomia. Voltou ao Brasil com a anistia, indo residir no Paraná, onde formou família – nem a sua mulher sabia de sua verdadeira identidade. Foi um dos fundadores do PT e no primeiro mandato de Lula foi o todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil – quase um primeiro-ministro. Nessa condição, foi um dos “operadores” do mensalão, que somente foi posto a público por conta de Roberto Jefferson.
                Teve o seu mandato parlamentar – era deputado federal – cassado e foi processado perante o STF (ação penal n° 470, cognominada “mensalão”), tendo sido imposta a pena de 10 anos e 10 meses de reclusão (7 anos e 11 meses pelo crime de corrupção ativa  e 2 anos e 11 meses pelo crime de quadrilha), em regime inicialmente fechado. Como a condenação pelo crime de quadrilha não foi unânime, interpôs embargos infringentes e por 6 votos a 5 foi absolvido, ficando a sua pena definitiva 7 anos e 11 meses, regime incialmente semi-aberto.  Após cumprir uma parte nesse regime, foi promovido ao aberto, prisão albergue, podendo cumpri-la em seu domicílio.
                No ano de 1984 houve uma grande alteração no Código Penal, com a vinda de uma nova Parte Geral (todos os Códigos são divididos em duas partes: Geral e Especial; naquela estão disposições aplicáveis a todos os crimes [como, por exemplo, as espécies de pena]; nesta, estão descritos os crimes), que introduziu o cumprimento de pena privativa de liberdade sob a forma de regimes. Foram criados três: fechado, semi-aberto e aberto. O primeiro deve ser cumprido em penitenciária de segurança máxima ou média; o segundo, em colônia penal agrícola, industrial ou estabelecimento similar; o terceiro, em casa do albergado ou estabelecimento adequado – conforme o artigo 33, parágrafo 1°, letras “a”, “b” e “c”, do Código Penal.  Em termos numéricos somente, para pena superior a 8 anos regime inicial fechado; entre 8 e mais de 4, semi-aberto; 4 ou menos, regime aberto (prisão albergue).
                Já a Lei de Execução Penal, que é da mesma data da Parte Geral do Código Penal (11 de julho de 1984), a partir do artigo 93 descreve quais as características que deve ter a casa do albergado, estipulando que ela deve caracterizar-se “pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga” (artigo 94); ademais, “em cada região haverá, pelo menos, uma casa do albergado” (artigo 95). Embora a lei tenha 30 anos, pouquíssimas cidades no Brasil possuem casa do albergado - são apenas 57 masculinas e 7 femininas (Campinas teve, por pouco tempo, uma – localizada defronte a 7ª Ciretran -, cujo aluguel era pago em parceria pela Prefeitura e empresários) e isso cria um impasse: a pessoa que tem direito ao regime aberto mas não tem onde cumpri-lo. Para superar esse problema criado pelo próprio Estado, que não aparelhou as regiões com casa do albergado, foi encontrada uma solução “salomônica”: como existe a previsão de prisão albergue domiciliar (no jargão jurídico: PAD) para casos especialíssimos (condenado maior de 70 anos, condenado acometido de doença grave, condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental e condenada gestante – artigo 117 da Lei de Execução Penal), os juízes e tribunais do Brasil inteiro passaram a conceder a PAD quando no local em que a pessoa cumpre a pena não há casa do albergado (como já dito, há pouquíssimas no Brasil).
                Portanto, ao contrário do que muitos pensam – inclusive pessoas que aparentemente conhecem a lei penal -, não houve nenhuma heresia jurídica, nenhum favorecimento pessoal indevido, nenhuma teoria da conspiração na concessão pelo ministro Luiz Roberto Barroso de progressão do cumprimento da pena ao condenado José Dirceu. O magistrado apenas concedeu-lhe aquilo que a todos, por direito, é concedido.

               

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