Quase defronte
o prédio em que funcionava a AJ, na Rua Regente Feijó (entre a Barreto Leme e a
Benjamin Constant), ficava todos os dias uma pessoa vendendo cartões de zona
azul. Hábito, aliás, encontradiço em diversos pontos da cidade, pelo qual a
pessoa amealha algum dinheiro até o final do dia.
Havia um
estuprador atuando naquela área central: esperava mulheres que trabalhavam em
escritórios e repartições públicas, dominava-as e as levava, no próprio carro
da vítima, até o local em que as estuprava. O seu local escolhido era em
Aparecidinha.
Uma de suas
vítimas trabalhava no fórum e foi isso que quase ocasionou um grande engano.
Para melhor investigar, foi elaborado um retrato falado do estuprador e cópias
foram afixadas em vários prédios do centro, nas proximidades dos locais em que
ele dominava as suas vítimas. Um dos exemplares, evidentemente, no saguão do
fórum.
Certa manhã, ao
haver terminado o plantão de atendimento de público, procurou-me uma colega
esbaforida perguntando se eu havia visto o retrato falado do estuprador afixado
no saguão do fórum. Embora estivesse ali com frequência, não tinha visto ainda,
respondi. Ela me pediu que fosse vê-lo: em tudo se assemelhava com aquela
pessoa que vendia cartões de zona azul no quarteirão da AJ. Imediatamente, fui
ao fórum para constatar e a semelhança era realmente assustadora.
Voltei à AJ
para conversar com a minha colega e ela indagou o que faríamos. “Não sei”,
respondi. “O que você acha de telefonarmos ao disque-denúncia?”, ela perguntou.
Sempre atento às sábias palavras de Beccaria a respeito de denúncia[1],
ponderei que não deveríamos tomar atitude. E não tomamos.
Tempos depois,
o verdadeiro estuprador, que efetivamente tinha semelhanças com aquele pobre
vendedor de cartões de zona azul, foi descoberto e preso.
Fiquei pensando
do erro que nos livramos e da injustiça que não cometemos.
[1] . “Aquele que suspeita
que um seu concidadão é um delator, vê logo nele um inimigo”. O nome, aliás,
deveria ser “disque-delação”.
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