Ele
era engenheiro na cidade de Santos e estava cuidando da construção de um prédio
na cidade de Valinhos – era o primeiro prédio de alguns andares a ser
construído naquela urbe. Durante a construção, ocorreu um acidente, uma fatalidade:
um dos peões resolveu ir fumar um cigarro fora da obra e, para ficar mais à
vontade, retirou o capacete. Depois de algumas baforadas, um carrinho de mão,
desses de ferro para transportar tijolos e outros materiais, caiu do topo da
construção como um bólido e acertou o operário na cabeça. Gravemente ferido,
ele foi encaminhado ao hospital local, onde ficou internado em coma por vários
dias, vindo a falecer. Morreu não diretamente da lesão, mas por uma pneumonia adquirida
no tempo que que esteve internado.
Durante
o inquérito policial não se conseguiu saber o que teria provocado a queda do
carrinho, já que ele era pesado, tendo a autoridade policial preferido não
indiciar ninguém: poderia ter sido obra (sem trocadilho) do acaso. Pela mesma
cartilha não atuou o membro do Ministério Público, que denunciou três pessoas:
o engenheiro responsável pela obra, o dono da construtora e o mestre de obras
(este, coincidentemente, filho do dono da construtora).
Ao
longo da instrução criminal – e foi longa mesmo – o juiz, numa atitude ousada,
já que se tratava de tema novo em Direito Penal, extinguiu a punibilidade dos réus pela prescrição penal de
forma antecipada (era um tema novo no Direito Penal brasileiro). Inconformado, o membro do Ministério Público interpôs recurso
e o (então) Tribunal de Alçada Criminal reformou a decisão, determinando o
prosseguimento do processo. Ao final da instrução processual (retomada), todos
os réus foram absolvidos. Outro recurso ministerial, desta vez contra a
absolvição, debalde.
A
esta altura os leitores devem estar fazendo uma pergunta: onde entra o dente? É
que numa das idas que o engenheiro fez ao meu escritório, já que eu estava atuando em sua
defesa, ele estava empolgado narrando o acontecido quando repentinamente um dos
dentes incisivos simplesmente caiu sobre a escrivaninha: tratava-se de uma
coroa que não resistiu ao tempo. Totalmente constrangido, ele tentou
recoloca-la, mas ela não permaneceu no local mais do que alguns segundos. Envergonhado, ele prosseguiu na narrativa, porém pondo a mão defronte a boca como que para esconder a falha. A queda da prótese dentária não foi tão desastrosa quanto a queda do carrinho: apenas causou constrangimento.
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