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Imunidades parlamentares



 
    
  O tema é mais do que atual: vários deputados e senadores têm sido apontados em delações premiadas como beneficiários de propinas na Operação Lava-Jato, o que, em tese, configura o crime de corrupção passiva, descrito no artigo 317 do Código Penal. Da mesma forma, outros tantos têm praticado condutas que configurariam crime contra a honra (calúnia, difamação, injúria). Algumas dessas ações estão acobertadas por imunidades chamadas “parlamentares”; existem outras imunidades: estas são chamadas de patrimoniais e, ainda, as diplomáticas.
      Até o ano de 1998 os parlamentares – deputados federais e senadores da república – gozavam de dois tipos de imunidade: a material e a formal. Pela primeira, eles eram invioláveis por suas palavras, votos e opiniões no exercício do mandato. Isso equivale a dizer que o conteúdo de suas manifestações não poderia nunca constituir crime. Palavras, discursos, opiniões, que em geral são formas de cometimento dos crimes contra a honra (estes são de forma livre, mas, em geral, quase na totalidade dos casos são cometidos por meio da fala – óbvio que nada impede que sejam praticados de outra forma, como, por exemplo, escrita). Na discussão de um projeto de lei, se um parlamentar federal emitir opinião que a princípio constituiria uma ofensa contra a honra de alguém, tal não será considerado crime. No Supremo Tribunal Federal há incontáveis exemplos sobre o tema. Se um parlamentar federal no aconchego de seu lar ofender a honra de sua esposa não terá a seu favor a imunidade já que não estava no exercício do mandato.
      Já a imunidade formal atuava de outra forma: para todos os outros crimes – corrupção passiva e estelionato por exemplo -, para que o parlamentar fosse processado era necessária autorização – “licença “ – da casa legislativa a que pertencesse. Por exemplo: um senador que recebesse “propina” e em tese cometesse o crime de corrupção passiva somente poderia ser processado se o Senado da República concedesse a autorização. Esta era pedida pelo Supremo Tribunal Federal (sim, desde aquela época a corte suprema era o órgão do Poder Judiciário encarregado de julgar os parlamentares federais). Enquanto o pedido de licença não fosse julgado ou se fosse negado, o curso do prazo prescricional ficava suspenso e isto criava um ônus ao parlamentar: ele precisava ser reeleito pelo resto de sua vida pois, se não o fosse, perderia a prerrogativa de foro e se tornaria réu.
      Ao tempo da imunidade parlamentar formal muitas pessoas se candidatavam aos cargos federais por eleição apenas para escapar da punição, pois, quando e se eleitos, o processo a que respondiam perante um juiz comum era automaticamente deslocado ao STF, que então precisava pedir a autorização e esta era negada. Numa das vezes em que Michel Temer foi presidente da Câmara, ele resolveu pôr em votação todos os pedidos de licença para julgamento de deputados e praticamente todos foram negados. Era vergonhoso ver parlamentares acusados de toda a sorte de crime ter a licença para processamento perante o STF indeferida.
      No ano de 2001, tendo Aécio Neves como presidente da Câmara, foi aprovada a Emenda Constitucional n° 35, que modificou o artigo 53 da Constituição da República Federativa do Brasil na parte em que ele continha a imunidade formal e, a partir de então, afora os crimes de opinião, os senadores e deputados podem ser processados perante o STF sem necessidade de ser requerida qualquer licença ou autorização. É por esse motivo – a abolição da imunidade parlamentar formal – que se pode ver deputados federais (Eduardo Cunha, por exemplo, e mau exemplo...) e senadores da República (Renan Calheiros, por exemplo, e também mau exemplo...) sentados no banco dos réus, que, afirmam os que conhecem, não tem nenhuma comodidade. Ao contrário: é sob todos os aspectos desconfortável.

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