Pular para o conteúdo principal

A decisão do STF e os crimes eleitorais


     A apertada decisão (6x5) do STF em que se decidiu “fatiar”, dividindo entre “duas justiças”, a competência para julgar crimes apurados no âmbito da Operação Lava-Jato provocou incontáveis reações, demonstrando, na maior parte das vezes, fruto de total desconhecimento do tema. Veio à memória uma frase de Eric Hobsbawn: “a paixão com que algumas opiniões são defendidas é quase inversamente proporcional ao conhecimento que se tem dos fatos”.
     Em primeiro lugar, há, em Direito Penal, um princípio chamado “da especialidade”, pelo qual as leis especiais sobrepõem-se às leis gerais. Em outras palavras: se uma lei geral descreve um fato como delituoso e outra lei, esta especial, criminaliza o mesmo fato, a aplicação desta sobrepõe-se à daquela, ainda porque a pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo fato (“non bis in idem”). Crimes que são definidos como tais no Código Penal e também como delituosos numa lei especial – a lei eleitoral, só para simplificar – esta prevalece sobre aquela. Há um Código Eleitoral no Brasil: é a lei n° 4.737, de 15 de julho de 1965. Como exemplo da especialidade, se, durante o período eleitoral, um candidato em campanha caluniar outro, cometerá o crime previsto no artigo 324 dessa lei (“caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”); se não for em campanha, cometerá o crime previsto no artigo 138 do Código Penal. Quem julgará sua conduta será a Justiça Eleitoral.
     Em segundo lugar, a maioria dos ministros do STF sempre teve esse entendimento, não sendo ele novo, portanto. Aplicou-se a jurisprudência da corte mais uma vez e desta feita por apertada maioria.
     Em terceiro lugar, argumentar que a Justiça Eleitoral não está aparelhada para o volume enorme de processos produzidos pela Operação Lava-Jato é uma verdade, mas não serve como argumento porque viola a lei. No Brasil há um princípio chamado da legalidade e ele está consagrado na Constituição e deve ser respeitado. A propósito: não existe uma Justiça Eleitoral, tal qual existe a Justiça Estadual, a Federal e a do Trabalho. A Justiça Eleitoral é exercida por juízes das jurisdições comuns: por exemplo, o juiz da 275ª Zona é o mesmo juiz titular da 1ª Vara Criminal: ele exerce as duas competências e de forma cumulativa. Outra prova do desaparelhamento da Justiça Eleitoral é que as pessoas que trabalham nas eleições são particulares convocados para essa tarefa. O mesário de uma Seção Eleitoral é um bancário, não um funcionário da Justiça Eleitoral.
     Enquanto existir um Código Eleitoral, que prevê como crimes fatos que estão definidos em outras leis (Código Penal ou qualquer outra lei penal), a sua aplicação prevalecerá.
     Mas o mais assustador nesse barulho todo é que o maestro condutor é um procurador da República que sequer sabe que ele não pode comandar a instituição de uma fundação para gerir dinheiro público... e menos ainda comandá-la... Como auto-intitulado proprietário da Operação Lava-Jato, ele, em breve, pretenderá fundar um Estado dentro do Brasil e, naturalmente, presidi-lo. Se não for um Império e ele, o imperador.
     Durma-se com um barulho desses...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...