Pular para o conteúdo principal

A criminalização da atividade sexual no Brasil


Capítulo I  
                                       Ordenações do Reino[1]



                        Com a descoberta do Brasil pelos portugueses, começou a ser aplicada a legislação do reino, chamada “ordenações”. E elas tinham o nome do monarca. As primeiras foram as Afonsinas;, em 1512; depois, vieram as Manoelinas, em 1521; finalmente, vieram as Filipinas, em 1603, vigorando até o Código Criminal do Império, e estas é que tiveram mais aplicação, como lembra José Henrique Pierangeli[2]. Em se tratando de Direito Penal, o Livro V dessas ordenações definia os crimes e cominava as penas. Tal livro bem demonstra a mistura que existia entre Direito Penal e a religião católica: muitas condutas que posteriormente seriam consideradas apenas pecaminosas eram severamente punidas. Ele era dividido em títulos e cada título tinha uma descrição que se assemelhava ao que hoje se conhece como “caput”, e, em seguida, itens, que se assemelham ao que hoje é o parágrafo. Há referência no próprio texto legal de ”paragrapho”[3] .Não havia artigos numerados como hoje há nas leis, sejam elas codificadas, sejam elas esparsas (ou extravagantes).

                        TITULO XIII – Os que commettem peccado de sodomia, e com alimarias.
                        Toda a pessoa, de qualquer qualidade que seja, que pecado de sodomia per qualquer maneira commetter, seja queimado, e feito per fogo em pó, para que nunca de seu corpo e sepultura possa haver memoria, e todos os seus bens sejam confiscados para a Corôa de nossos Reinos, postoque tenha descendentes; pelo mesmo caso seus filhos e netos ficarão inhabiles e infames, assi como os daqueles que commettem crime de Lesa Magestade. 1. E esta Lei queremos, que também se entenda, e haja lugar nas mulheres, que humas com as outras commettem peccado contra natura, e da maneira que temos dito nos homens. 2. Outrosi qualquer homem, ou mulher que carnalmente tiver ajuntamento com alguma alimaria, seja queimado e feito em pó. 3. E as pessoas, que com outras do mesmo sexo commetterem o peccado de molície, serão castigados gravemente com degredo de galés e outras penas extraordinarias, segundo o modo e a perseverança do peccado.

                        TITULO XIV - Do Infiel, que dorme com alguma Christã, e do Christão, que dorme com Infiel. Qualquer Christão, que tiver ajuntamento carnal com alguma Moura, ou com qualquer outra Infiel; ou Christã com Mouro, ou Judeu, ou com qualquer outro Infiel, morra por isso, e esta mesma pena haverá o Infiel. E isto, quando tal ajuntamento for feito per vontade e a sabendas; porque se alguma mulher de semelhante condição fosse forçada, não deve por isso haver pena alguma, somente haverá a dita pena aquelle que commetter a tal força. E isso mesmo o que tal peccado fizer por ignorancia, não sabendo, nem tendo justa razão de saber como a outra pessoa era de outra Lei, não deve haver por ele pena de justiça”. Finalmente: “e somente a pessoa, que da dita infidelidade fôr sabedor, ou tiver justa razão de o saber, será punida segundo a culpa, em que fôr achada”.


[1]. Foi mantida a grafia original.
[2]. Códigos Penais do Brasil, Editora Jalovi, Bauru, 1ª edição, 1980, página 7.
[3]. Título XXV, item “3”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...