Pular para o conteúdo principal

Bendine e os 143



      Bastou o STF, por sua 2ª Turma, anular o processo a que o ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, Aldemir Bendine, foi submetido e no qual foi condenado, para que os arautos da desgraça e profetas da escuridão previssem que os processos referentes a outros 143 réus seriam todos anulados.
       Antes, cabe uma ligeira explicação: a defesa sempre fala depois da acusação. A defesa fala por último. Que sirva como exemplo o processo afeto a julgamento pelo Tribunal do Júri, a que estão sujeitos os acusados por crime doloso contra a vida, consumado ou tentado (homicídio, participação em suicídio, aborto e infanticídio): tanto na fase preparatória quanto na realizada no plenário, a defesa fala sempre depois da acusação. Outra forma seria inútil: afinal, somente alguém pode defender-se de uma acusação que ele conheça.
       Talvez por ser relativamente nova no direito brasileiro a figura do réu colaborador (também chamada de delação premiada), em que, além de acusar-se, aponta os demais que participaram na empreitada delituosa, houve, no processo de Bendine um desrespeito a essa regra cronológica e todos falaram ao mesmo tempo: os réus colaboradores e os acusados, evidentemente por seus patronos. O réu colaborador (delator) é um acusador: afinal, ao admitir a culpa, ele aponta todos os demais que cooperaram com o crime (e essa colaboração deve ser ampla, completa, sem o que ele não receberá nenhum benefício: pena reduzida, regime prisional mais brando e outras) e a sua palavra servirá como prova tanto para a sua condenação como para todos os demais. É óbvio que a sua delação por si só não serve para condenar: ela deve vir corroborada por outras provas.
       Ao anular o processo a que respondeu o ex-presidente do Banco Do Brasil, com a sua consequente soltura, os arautos do apocalipse saíram a campo para anunciar que todos os outros 143 réus que se encontravam na mesma situação seriam também eles postos em liberdade, dado que os processos seriam anulados.
       O relator dos processos da Lava-Jato, ministro Edson Facchin, resolveu transferir ao plenário o julgamento da questão (os onze ministros do STF), dada a magnitude da controvérsia. Então, todos os onze ministros, numa sessão plenária, terão direito a se manifestar por intermédio de voto se naquela situação o processos devem ser anulados. Acontece que há muito tempo o STF tem aplicado nos processos em que se alega nulidade, que deve haver a anulação somente se houve prejuízo à defesa (ou à acusação, se for o caso). Essa regra é tão antiga que está escrita na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (ano de 1941) e vem formulada em francês: “pas de nulité sans grief”. Em vernáculo: não há nulidade sem prejuízo.
       Portanto, é prematuro afirmar – o que se assemelha mais a um jogo de adivinhação – que o mesmo resultado do caso Bendine será aplicado aos outros 143 processos. Afinal, serão 11 cabeças pensantes manifestando o seu entendimento acerca do tema. Pode-se acrescentar, ainda, que o direito não é uma ciência exata, em que os fatos acontecem automaticamente. Ademais, qualquer que seja a decisão da maioria, pode haver modulação no seu alcance, ou seja, aplicando-se efeitos "ex´tunc" ou "ex-nunc". Basta aguardar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...