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George Floyd e a folha de antecedentes



         Que a humanidade está vivendo um momento peculiar em sua História não há nenhuma dúvida. Não, não se trata da pandemia (a maior tragédia que existe desde a segunda grande guerra), mas sim de como as pessoas estão se manifestando: tudo indica que alguns sentimentos estão sendo esquecidos.
         A morte de George Floyd por asfixia praticada por um policial gerou uma onda de protestos que atingiu incontáveis países, com atitudes como nunca tinham sido vistas. Até destruição e a pichação de estátuas de pessoas até então consideradas heróis nacionais aconteceram em alguns países.
         Não obstante isso, começaram a pipocar nas redes sociais postagens da folha de antecedentes de George Floyd, com os seus registros criminais. A princípio, não deu para entender tais postagens, mas algumas teorias podem ser levantadas. Uma delas: as pessoas que tenham cometido crimes perdem o direito à vida. Esta, porém, é protegida, não importando em nada qualquer condição da vítima. Um dos maiores penalistas da Itália (de onde derivou em grande parte o direito brasileiro), Vincenzo Manzini, dizia que toda pessoa, por pior que seja, traz dentro de si um “oásis moral” que merece ser protegido. É certo que ele dizia isso quando analisava os crimes contra a honra, mas tal raciocínio pode ser aplicado a qualquer crime: por pior que seja a pessoa a proteção à sua vida nunca se encerra.
         O Ministro Nelson Hungria, apelidado “o príncipe dos penalistas brasileiros” dava o seguinte exemplo quando discorria sobre o crime de homicídio: se alguém matar uma pessoa condenada à morte segundos antes do carrasco executar a sentença comete o crime de homicídio. Ainda para ilustrar há um fato ocorrido no estado do Texas: um condenado à morte estava sendo transferido para o presídio onde seria executado (por injeção letal) quando a van que o levava capotou, deixando-o seriamente ferido. Ele foi levado a um hospital, medicado, e quando recebeu alta, foi, então, a sentença executa. Isso aconteceu na maior e mais estável democracia do mundo e se chama respeito à lei.
         Mas essas postagens fazem lembrar um princípio que está ainda sendo pouco aplicado e menos ainda respeitado em nosso país: o direito ao esquecimento. Porque aqui em nosso país parece que as pessoas fazem questão de eternizar os malfeitos de quem quer que seja.
         As postagens evocam outra teoria, esta desenvolvida e aplicada pelo nazismo: a “das vidas indignas de serem vividas”. Na Alemanha essa doutrina foi aplicada à larga, resultando na morte de milhões de pessoas, cujas vidas eram consideradas indignas de serem vividas.
         Elas fazem lembrar um sentimento que está muito em falta nos tempos atuais: a piedade.

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