Etarismo
Tal qual aconteceu com a palavra “feminicídio”, a palavra etarismo entrou para o dia-a-dia como um relâmpago e despertou vívido interesse nas redes sociais, pois o acontecimento que o fez ganhar notoriedade foi uma tolice perpetrada por três universitárias numa cidade do interior de São Paulo. Sim, as três, crentes de que estavam produzindo uma obra mais engraçada do que um episódio da “Escolinha do Professor Raimundo” ou do que “A Praça é Nossa”, gravaram um vídeo em que ridicularizavam uma colega de faculdade em razão da idade. A colega tem 44 anos. Neste ponto, lembro que por 30 anos fui professor na Faculdade de Direito da PUCCamp, nos períodos matutino e noturno: no matutino, todos – ou quase todos – eram jovens (cheguei a ter um aluno de 16 anos), ao passo que noturno a faixa etária era mais elevada e nunca houve esse tipo de desrespeito. No período noturno não era difícil encontrar alunos já formados em outro curso (e trabalhando na área em que eram formados) que, atraídos pelo estudo do Direito, prestavam o vestibular.
O outro acontecimento a que se refere o título está de alguma forma conectado ao primeiro: uma MC filmou-se falando mal de professores e postou essa infeliz fala nas redes sociais. Foi levada a isso porque uma professora teria se referido a ela em uma aula, criticando a letra de uma música, e uma aluna, fã da artista, postou isso como um comentário no perfil da MC. Na infeliz gravação, ela debocha do salário dos professores, dizendo, entre outras coisas, que por uma aparição de minutos num show ela recebe 70 mil reais. Não se sabe o grau de instrução dessa artista, mas certamente não tem o mesmo de um professor, ainda que de curso elementar.
Como a internet não perdoa, os dois fatos repercutiram grandemente e as três universitárias humoristas trancaram matrícula, abandonando o curso; já a MC, depois de ter vários shows cancelados, gravou um pedido canhestro de desculpas (ao estilo “se alguém se ofendeu, peço desculpas”), postando-o nas redes sociais.
Se tivessem ficado caladas, tudo seria evitado.
A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

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