Uma cena insólita (ou a finalidade de pena)
Ao longo dos anos – talvez séculos – foram formuladas teorias a respeito da finalidade de pena, Ou seja: quando o Estado exerce o “jus puniendi”, impondo uma pena a alguém que cometeu um crime, deve buscar nessa atividade alguma finalidade? Prevenção geral e prevenção especial: estes são os dois principais ramos em que se divide o debate sobre este tema.
Dias atrás tive a oportunidade de constatar ao vivo se num caso específico a pena atingiu a sua finalidade: caminhava eu pela rua Ferreira Penteado e naquele trecho trabalhavam alguns presos do regime semiaberto, todos vestindo calça bege (“no país das calças beges”, da música dos Racionais MC “Diário de um detento”) que prestam serviços à municipalidade: eles arrancavam aqueles matinhos que nascem entre os paralelepípedos. De repente, aproxima-se em disparada uma pessoa, um homem, portanto um pacote de fralda e em seu encalço um pessoa uniformizada. Logo deu para deduzir que se tratava de um furto e o empregado da farmácia perseguia o larápio. Ao passar por um dos presos, este disse:
- devolve isso, meu irmão.
Ao que o outro respondeu:
- eu paguei.
Ao ouvir essa resposta, foi impossível não soltar uma sonora gargalhada. Metros adiante, porém, um pedestre derrubou o ladrão.
O diálogo entre o preso e o ladrão imediatamente me fez lembrar das teorias da finalidade da pena, tema que ensinei durante trinta anos na Faculdade de Direito da PUCCamp: para o preso, o “castigo” valeu, e aí temos a prevenção especial; já para o ladrão, não, tendo, assim, falhado a prevenção geral.
Ele ganhava a vida fazendo o “jogo das tampinhas”, um “jogo” que resvala, dependendo da forma de agir do jogador, no estelionato. Esse jogo é simples: são três tampinhas (ou forminhas) e uma bolinha de espuma de nylon, postas num tabuleiro. O jogador age com extrema rapidez, “embaralhando” as tampinhas e colocando a bolinha ora sob uma, ora sob outra, e depois para e o apostador precisa adivinhar sob qual tampinha está a bolinha. Se depender apenas da habilidade, pode ser um jogo em que se ganha ou se perde. Por vezes, porém, o jogador esconde a bolinha sob a unha (que ele deixa crescer mais do que as unhas dos outros dedos) de seu dedinho de forma que o apostador nunca acertará. Ele estava jogando na esquina das ruas Ernesto Kuhlman e Treze de Maio quando surgiram alguns fiscais da SETEC, o famoso “rapa”. Quiseram apreender o seu material, talvez porque estivesse utilizando o solo urbano sem pagar os tributos correspondentes. Ele se insurgiu. Ofendeu
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