Pular para o conteúdo principal

Django livre


            Até a década de 60 – chamada de “anos de ouro”-, a modalidade de filmes bang-bang era amplamente dominada pelos estadunidenses. Como, de resto, em todas as outras modalidades. Esses filmes tinham um padrão: mocinho, mocinha e bandido. Infalivelmente. Exemplo (e o melhor exemplo): "Os brutos também amam" ("Shane"), de George Stevens, com Alan Ladd no papel principal. Sam Peckinpah rompeu com essa tradição no ano de 1969 ao dirigir um desses filmes, cujo título original era “Wild bunch”- no Brasil tomou o nome de “Meu ódio será sua herança”. Violentíssimo e não tinha mocinhos – somente bandidos.
            Nessa mesma década os italianos entraram no segmento, lançando uma modalidade que foi batizada de “western spaghetti”. Um deles foi “O dólar furado” (no original: “Un dollaro bucato”), estrelado por Montgomery Wood, que na verdade era italiano e se chamava Giuliano Gemma: fez um tremendo sucesso. O filme é de 1965. Eu estudava no período noturno numa escola chamada Ateneu Paulista, localizada na esquina das ruas Doutor Quirino e 14 de Dezembro: “cabulamos” (cabular era um verbo da época) a aula para ir assistir ao filme ali no Cine Ouro Verde, enorme, situado na rua Conceição onde hoje existe um edifício comercial. Embora fosse imenso, eu e meu colegas não conseguimos nos sentar próximos uns dos outros pois a sala estava praticamente lotada. Era um quarta-feira.
            No ano anterior, até Clint Eastwood estrelou um “western spaghetti”, dirigido pelo competente Sergio Leone, chamado “Por um punhado de dólares”; teve uma sequência, “Por uns dólares mais” e outro filme que se tornou, como estes, “cult”: “Três homens em conflito”. Tão espetacularmente como começou, esvaiu-se. Registro que alguns desses filmes tiveram a trilha musical composta por Ennio Morricone, sempre lindas.
            Essa safra produziu no ano de 1966 um filme chamado “Django”, estrelado por Franco Nero e dirigido por Sergio Corbucci. A música, linda, foi composta por um argentino naturalizado italiano, chamado Luis Bacalov e gravada por Roberto (ou Berto) Fia, claro, em italiano. Há outra gravação, em inglês, cantada por Rocky Roberts. O filme tem um início tétrico: um bandoleiro entrando a pé num vilarejo, caminhando pela rua enlameada e puxando um caixão de defunto; num dos ombros, uma sela. O filme pode ser classificado de “trash”, porém transformou-se em “cult movie”. Mexicanos em luta contra norte-americanos e Django entra na 'briga". Enredo fraco, "batido". Está disponível no Youtube, legendado.
            Pois não é que Quentin Tarantino fez um Django livre (“Django unchained”) que não tem quase nada a ver com o original. O de Tarantino passa-se no tempo da escravidão nos EUA e o Django deste filme é negro e era escravo, tendo sido adquirido por um caçador de recompensa travestido de dentista. O filme inicia-se sob o som da música Django, cantada por Rocky Roberts. O melhor "take" é aquele em que há um diálogo entre os dois Djangos, Franco Nero e Jamie Foxx. Este soletra o nome para o outro: D-J-A-N-G-O. Não direi mais para que os que estão lendo este texto animem-se e assistam ao filme. Numa das cenas, em que o Dr. Schultz e Djando estão em Candyland, a música "Fur Elise" é executada na numa harpa.
            Django livre foi indicado ao Oscar como melhor filme e melhor ator coadjuvante, Christoph Waltz (que já levou um Oscar na mesma categoria em outro filme de Tarantino, “Bastardos inglórios”), dentre as categorias mais importantes. O que haveria em comum entre os dois filmes? Nada, a não ser que a música é a mesma e, como dito acima, o melhor “take” é o diálogo entre os dois Djangos. Vale a pena ver.

 http://youtu.be/sqBS7mpIlEo - "link" do filme

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante