No ano de 2004, tomei conhecimento de uma
polêmica envolvendo dois escritores, um canadense (de origem espanhola), o outro
brasileiro, um médico gaúcho, acerca da ideia central de um livro. O canadense
era (ainda é, óbvio) Yann Martel; o brasileiro, Moacyr Scliar. Falou-se em plágio; o escritor brasileiro, educadamente, disse em entrevista que não se plagiam ideias. O canadense fez um agradecimento em seu livro ao brasileiro: "quanto à centelha de inspiração, devo-a a Moacyr Scliar"(página 12).
A
polêmica envolvia o tema central de uma história: um naufrágio e dois
sobreviventes num bote salva-vidas. Os dois náufragos eram um homem e um animal.
A polêmica foi habilmente resolvida e, tocado pela curiosidade, adquiri a obra
do canadense, cujo nome era “A vida de Pi”. Numa singela linha ele, no
prefácio, faz um agradecimento ao autor gaúcho. (Talvez esta tenha sido a
solução da polêmica.) O livro do gaúcho se chamava "Max e os felinos. Comprei o do escritor canadense. Fiquei encantado com a leitura. Por que Pi? Um tio dele viveu em Paris e gostava de nadar, somente podia praticar esse esporte em piscinas públicas, que eram imundas. A única limpa chamava-se Piscine Molitor. O pai de Pi colocou-lhe este nome: Piscine Molitor Patel, apelido Pi.
Algo
semelhante em matéria de livro tinha ocorrido comigo 5 anos antes. Eu cursava
Espanhol numa escola defronte ao prédio em que morava e resolvi adquirir um
livro escrito nessa língua para praticar. Numa busca pela internet localizei um
livro escrito por Stephen King (de quem eu já era fã) traduzido ao espanhol e
resolvi compra-lo. Pesquisando sobre ele, descobri que o “mestre do terror”
estadunidense havia firmado um contrato inédito com a editora: escreveria o
livro em cinco partes. A edição que eu compraria trazia todos os volumes. Nome
da obra: “El pasillo de la muerte”. No original: “The green mile”; em
português: “À espera de um milagre”. Comecei a lê-lo e não conseguia mais
parar. Tomei conhecimento, enquanto o lia, que ele estava sendo filmado e,
curiosamente, o diretor era o mesmo que houvera dirigido outro filme baseado
também em livro de Stephen King: Frank Darabont. O nome do filme: “Um sonho de
liberdade”, com Tim Robbins e Morgan Freeman, entre outros. Foi indicado ao
Oscar, porém não venceu. Quase todo o filme se passa no interior de uma prisão.
O segundo filme dirigido por Frank Darabont também tem se passa quase
inteiramente no interior de uma prisão e também foi indicado ao Oscar mas não
venceu. Nele trabalham Tom Hanks, Michael Clarck Duncan (falecido em 2012 aos
54 anos), David Morse.
Voltando
ao livro “A vida de Pi”: ele retrata – conforme o nome já deixa antever – a
vida de um garoto indiano que sobreviveu ao naufrágio do navio-cargueiro em que
viajava com a sua família e vários animais que compunham o plantel do zoológico
que o seu pai tinha na Índia. Principalmente a parte da sua vida em que ele
está compartilhando o bote com o tigre: foram (para ele) extensos 387
dias. O nome do tigre era nome de
pessoa: Richard Parker. E ele resultou de um engano: um caçador foi contratado
para abater um tigre que estava atacando pessoas. Ele se pôs de tocaia para
realizar o trabalho, nas proximidades de um lago. Viu um tigre. Mirou. Surgiu
um filhote, que correu para beber água. O caçador capturou-o. Foi registrar o
feito na repartição pública. O funcionário equivocou-se: colocou como nome do
tigre Richard Parker (que era o nome do caçador) e como nome do caçador Sedento (este seria o nome do
filhote no registro por causa da sua sede).
Os
direitos de filmagem sobre o livro foram adquiridos e vários diretores foram
contatados, mas declinaram do convite porque seria uma tarefa muito difícil.
Por fim, o consagrado diretor Ang Lee (“Brokebeck Mountain”) aceitou. Em
entrevista, confirmou que é muito difícil filmar na água (em recente
entrevista, Naomi Watts, vencedora do Globo de Ouro por sua atuação em “O impossível”,
fez a mesma afirmação: é muito difícil filmar na água). O filme demorou 4 anos
para ser feito e resultou numa obra prima que concorreu ao “Globo de Ouro”
(levou melhor trilha sonora original) e e concorre ao “Oscar”.
Como
sempre ocorre, a adaptação foi boa, mas o livro é melhor (tal qual ocorreu com
“À espera de um milagre”). Algumas partes foram suprimidas (como a das
tartarugas marinhas), outras minimizadas (como a do tigre em sua jaula atacando
uma cabra). Ademais, a leitura força a imaginação, conforme disse de forma
brilhante o escritor estadunidense Paulo Auster: "fugir para dentro de um filme
não é como fugir para dentro de um livro. Os livros nos obrigam a dar algo em troca, a exercitar a
inteligência e a imaginação; ao passo que podemos ver um filme – e até gostar –
num estado de passividade mecânica” (“Homem no escuro”, página 19).
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