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Mostrando postagens de julho, 2013

A mídia e os nomes dos crimes

                O nome (título) do crime, chamado pelos juspenalistas de “nomen juris”, é um importante elemento na interpretação da lei penal: ele geralmente vem numa rubrica lateral ou acima da descrição típica e auxilia grandemente a entender e delimitar o exato alcance do tipo. Por exemplo, acima da descrição contida no artigo 289 está escrito “moeda falsa”- este é o nome desse delito contra a Fé Pública. Há alguns artigos do Código Penal em que, talvez por descuido de quem redigiu o projeto (Alcântara Machado) ou pelos membros da comissão (Hungria, Lyra, Queiroz e Braga) que o reviu, que não têm nome. Exemplos: o artigo 343, que é uma modalidade de corrupção passiva “especial”,   já que é dirigida a funcionários públicos específicos (testemunha, perito, contador etc.).             O crime – entenda-se Direito Penal – há muito tempo tornou-se o assunto de mais destaque da mídia. Para comprovar esse fato, basta ligar a televisão em qualquer emissora e assistir ao

Tráfico de influência (ou exploração de prestígio)

              O Código Penal continha originalmente duas formas do crime de exploração de prestígio, ambas descritas no Título XI da Parte Especial (“crimes contra a Administração Pública”), porém em capítulos diferentes. A primeira modalidade estava no capítulo II desse Título (“crimes praticados por Particular contra a Administração Pública”), mais precisamente no artigo 332, cujo teor era o seguinte: “obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em funcionário público no exercício de função”; a pena era de reclusão, de 1 a 5 anos, mais multa. E o parágrafo único era assim: a pena é aumentada de 1/3 se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário público”.             A outra forma estava descrita no capítulo III (“crimes contra a Administração da Justiça”)   do mesmo Título XI; seu conteúdo estava no artigo 357, com a seguinte descrição típica: “solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra util

Autoacusação falsa

                          O “nomen juris” deste delito leva a pessoa a imaginar se alguém seria “louco” o bastante para acusar-se de um crime que não existiu ou que não foi cometido por ele, chegando a questionar se tal conduta deveria existir como crime. Existe no Brasil e está definida no artigo 341 do Código Penal: “acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem”. A pena é de detenção, de 3 meses a 2 dois anos, ou multa.                         O “príncipe dos penalistas brasileiros”, Nélson Hungria, que presidiu a comissão que reviu o projeto de Código Penal preparado por Alcântara Machado, em sua obra “Comentários ao Código Penal” (na realidade, uma obra coletiva, de que participaram outros juristas: Roberto Lyra e Romão Gomes de Lacerda, por exemplo), assim se manifesta: “tal fato, embora não comum, pode ocorrer e tem ocorrido por vária motivação: ora por interesse pecuniário (isto é, mediante paga do verdadeiro culpado ou de quem por

Confissão e tortura

              A comprovação de que quatro rapazes suspeitos de terem praticado estupro e homicídio contra uma garota numa cidade do estado do Paraná foram torturados e (supostamente) confessaram faz renascer dois temas extremamente polêmicos no campo do Direito Penal e do Direito Processual Penal (e dos Direitos Humanos, claro): o emprego da tortura para a obtenção de confissão e a própria confissão como meio de prova.             A tortura foi empregada para extorquir confissões durante largo período, especialmente no período do medievo. Um dos patriarcas da humanização do Direito Penal, Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, escreveu em seu “pequeno grande livro”, “Dos delitos e das penas”, de 1764, sobre a tortura: “é uma barbárie consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, seja para que ele confesse a autoria do crime, seja para esclarecer as contradições em que tenha caído, seja para descobrir os cúmplices

Achado não é roubado

                        Melhor seria dizer “achado não é furtado”: porém, o conhecimento leigo substitui o furto pelo roubo, entendendo como sendo este crime qualquer subtração de coisa alheia móvel. Há uma grande diferença entre o furto e o roubo (e os penalistas, e, creio, os advogados em geral a conhecem): no primeiro, a subtração se dá sem que haja o emprego de violência ou grave ameaça a pessoa; no segundo, claro, a subtração da coisa móvel se dá empregando-se a violência ou grave ameaça contra a pessoa, registrando-se que estas duas formas de constrangimento podem dar-se antes ou durante a subtração; em algumas hipóteses, após a subtração.             Após estas breves explicações, é do conhecimento de todos que para o povo brasileiro em geral aquilo que é encontrado na rua e que foi perdido por alguém, o “achador” tem o direito “legítimo” de apropriar-se, tornar-se dono daquilo. Algumas vezes alguém foge desse padrão e imediatamente surge nas redes nacionais de tel

Campinas e o sabonete

            Anos atrás, um médico amigo fez uma afirmação que me fez pensar: “o sabonete foi a maior invenção de todos os tempos; ele livra o corpo humano das impurezas”. Algum tempo depois, uma matéria numa “revista semanal de informação” explicava o motivo de os judeus terem sido o povo menos atingido por uma das maiores pestes que já assolaram o mundo: o hábito de lavar as mãos. Atribuiu-se, afirmava a matéria, durante muito tempo à comida judaica (“kosher”) esse baixo índice de mortandade, mas essa conclusão era equivocada.             Em época de epidemias de gripes (H1N1, por exemplo), uma das recomendações feitas pela OMS é esta: lavar sempre as mãos. Mas não muito, óbvio, para não parecer uma pessoa sofredora de T.O.C. – transtorno obsessivo-compulsivo (conheci, quando comecei a advogar, um juiz criminal de Campinas que padecia do TOC consistente em lavar constantemente as mãos).             O sabonete (e o sabão, claro) lembra não apenas saúde, higiene, mas principalmente

Dilma e a linguagem de sinais

            Aproximadamente um ano após obter a minha inscrição na OAB/S (era o ano de 1977), tive a oportunidade de prestar um serviço voluntário na cadeia pública do São Bernardo, o famoso “cadeião” de tantas histórias (uma delas, a mais dramática, foi uma rebelião “sufocada” pela PM, ao custo de muitas vidas – mas esta é outra história). O juiz titular da 2ª Vara Criminal de Campinas [1] , que cumulava o Tribunal do Júri e a Corregedoria dos Presídios e da Policia Judiciária, criou uma ONG, chamada Patronato de Ajuda ao Reeducando – PAR, que atuava no “cadeião”. Anos depois a lei de execução penal passou a chamar os condenados de “reeducandos” – uma das finalidades da pena, na prevenção especial, é “reeducar” o condenado.             Nas tardes de sábado eu ia àquele presídio para prestar algum tipo de auxílio jurídico-penal aos encarcerados. Chamou-me a atenção dois expedientes que os presos utilizavam no cotidiano: um espelhinho para observar se algum c

O nome do apóstolo

                        Ele tinha o mesmo nome de um dos apóstolos: João Batista. Por desavenças com a mulher, matou-a com várias facadas na Rua Culto à Ciência, nas proximidades do colégio com o mesmo nome. Foi preso e autuado em flagrante delito. Contratou um advogado para atuar em sua defesa. Na tramitação do processo, remeteu uma carta ao Juiz da Vara do Júri dizendo que não queria mais os serviços daquele profissional, destituindo-o pois, e pedindo ao juiz que me nomeasse. Foi atendido.                         Tomando ciência da nomeação, fui ao “cadeião” do São Bernardo conhece-lo e ouvir dele a versão dos fatos. Pareceu-me extremamente agressivo, falando muito mal da mulher (o que era normal, levando-se em conta que ele a havia matado, o que é o extremo do ódio, da intolerância); falou muito mal da sogra (o que, também, dependendo da situação, é normal); falou mal dos policiais que o haviam prendido (também razoavelmente normal), do açougueiro, do advogado. Pergunte