Pular para o conteúdo principal

Campinas e o sabonete

            Anos atrás, um médico amigo fez uma afirmação que me fez pensar: “o sabonete foi a maior invenção de todos os tempos; ele livra o corpo humano das impurezas”. Algum tempo depois, uma matéria numa “revista semanal de informação” explicava o motivo de os judeus terem sido o povo menos atingido por uma das maiores pestes que já assolaram o mundo: o hábito de lavar as mãos. Atribuiu-se, afirmava a matéria, durante muito tempo à comida judaica (“kosher”) esse baixo índice de mortandade, mas essa conclusão era equivocada.
            Em época de epidemias de gripes (H1N1, por exemplo), uma das recomendações feitas pela OMS é esta: lavar sempre as mãos. Mas não muito, óbvio, para não parecer uma pessoa sofredora de T.O.C. – transtorno obsessivo-compulsivo (conheci, quando comecei a advogar, um juiz criminal de Campinas que padecia do TOC consistente em lavar constantemente as mãos).
            O sabonete (e o sabão, claro) lembra não apenas saúde, higiene, mas principalmente limpeza, e todos estas reflexões – não sei o motivo – me vieram à mente quando fazia a minha habitual caminhada matinal. A empresa de telefonia fixa foi adquirida por outra e esta está trocando todos os “orelhões” da cidade: em vez daquela cor verde indefinida, os novos aparelhos de telefone público têm cores vivas, vibrantes, além de ostentarem o logotipo da empresa. Em tempos de mudança, a nova administração municipal está dotando a cidade de lixeiras de plástico (artefato que também evoca a limpeza), praticamente uma em cada esquina. É triste constatar que os moradores de Campinas não gostem de limpeza: vários “orelhões” já estão conspurcados (“pichados”, no vulgar), bem como as lixeiras; entre estas, algumas foram sumariamente destroçadas.
            Apesar disso, Campinas, por seus representantes legislativos, fez uma “faxina” em regra, defenestrando da administração municipal o prefeito que já estava em segundo mandato, acusado de haver praticado aquele crime que é um dos verdadeiros motivos da ida do povo (espontaneamente) às ruas: a corrupção passiva. Apenas um dos vereadores votou contra a cassação e hoje ocupa um dos cargos de secretário municipal. Cassado o titular, assumiu o vice, e foi também defenestrado: a “limpeza” foi total.
            Agora descobri o motivo de tais reflexões me ocuparem enquanto eu caminhava: é que Campinas aniversaria no dia 14 de julho, completando 239 anos. Quando a minha família veio morar aqui, o que se deu no ano de 1964, a cidade era referência na área médica, cultural e outras. Era bonita: fazia jus ao epíteto “princesa d’oeste”. Hoje está uma cidade suja, poluída, violenta e outros defeitos próprios de uma cidade de mais de um milhão de habitantes, que cresceu desordenadamente, tendo ficado praticamente quase duas décadas sem uma administração que se preocupasse em resolver todos os problemas, desde os menores – que é por onde se começa -, até os maiores.
            É necessário fazer outra limpeza, desta vez na cidade "física".
            De qualquer forma, parabéns, cidade das andorinhas.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...