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Mostrando postagens de 2014

O furto da cabra

          O estado de necessidade está definido no Código Penal no artigo 24: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. O fato praticado que preencher os requisitos dessa definição legal não é considerado criminoso, pois o artigo 23 estabelece que “não há crime quando o fato é praticado em estado de necessidade”.           Exemplos clássicos de estado de necessidade são a tábua de salvação (“tabula unius capax”): num naufrágio, dois náufragos lutam pela posse de uma tábua que comporta apenas o peso de um (nos tempos modernos, em que os navios não são mais construídos de madeira, poderia ser atualizado o exemplo: os náufragos lutam, assim, pela posse de um colete salva-vidas ou de uma bóia); importante salientar que nenhum deles deve ter sido o causador do naufrágio.      

Mortes de crianças e a síndrome do pensamento acelerado

        No prazo de uma semana três crianças foram esquecidas no interior de veículos e devido à alta temperatura, morreram. A primeira foi esquecida numa van usada clandestinamente para o transporte de escolares: a condutora foi ao salão de beleza enquanto a criança, que não era sua filha, literalmente era “assada” num calor inclemente. As outras duas crianças foram esquecidas, num dos casos, pelo pai, e, no outro, pela mãe; ambos os casos ocorreram no mesmo dia. Nos Estados Unidos, a cada dez dias uma criança é esquecida no interior de veículo e já foram encetadas campanhas chamando a atenção dos pais e responsáveis para o fato.       A esse esquecimento deu-se o nome de “síndrome do pensamento acelerado”- SPA, associada (a síndrome) aos tempos atuais, em que as pessoas querem – por vezes devem – exercer várias atividades praticamente ao mesmo tempo, o que provoca estresse e, consequentemente, o esquecimento, que em alguns casos tem vitimado crianças. Óbvio que essas pessoas

Um novo Brasil... e um novo mundo

      No aspecto jurídico, mais especificamente de Direito Penal e Processual Penal, o Brasil vive tempo de intensas novidades. É certo que muito do que está acontecendo hoje já existe na lei há décadas, porém a norma “vivia” como se estivesse num estado catatônico, pois não era aplicada.       A corrupção passiva é considerada crime contra a administração pública no Brasil, para ficarmos apenas no código atual, desde 1940, e no entanto de uma época até a presente data, quando determinado partido político adotou-o como forma de governar, quando ela foi institucionalizada, e foram as malfeitorias descobertas, e punidas (vide “mensalão”), é que ela ganhou as manchetes da mídia. Porém, em matéria de Código Penal, muitas novidades vieram e a delação premiada, que alguns preferem chamar de “colaboração premiada”, foi uma delas: ela entrou no direito brasileiro no ano de 1990 por intermédio da lei de crimes hediondos. Depois vieram outras leis, como a de lavagem de dinheiro e de c

O indulto de Natal e os mensaleiros

      É tradição no Brasil, desde tempos imemoriais, a concessão pelo presidente da República do indulto de Natal. Aliás, vem essa tradição desde o tempo do Império. Julio Fabbrini Mirabete ( Manual de Direito Penal , volume I, página 378) aponta que “a graça , forma de clemência soberana...”, o que vale dizer, é resquício do poder imperial. Graça individual é outro nome do indulto e clemência soberana demonstra que era o soberano, o rei, o imperador, quem concedia o “benefício”. Trata-se de uma forma de extinguir a punibilidade ou somente parte da pena e para ser obtida é necessário que o condenado cumpra alguns requisitos.       Porém, a mídia, fiel a sua tarefa de em muitos casos desinformar, e, em outros, confundir, passou a denominar de indulto de dia dos pais, dia das mães e quaisquer alusivos a datas comemorativas; assim, tinha-se o indulto “do dia das mães”, o indulto “do dia dos pais”, e, claro, o indulto de Natal. Porém, aqueles outros “indultos” em realidade são s

O televisor de muitas polegadas

      Os eletro-eletrônicos sofrem constantemente alterações: à boca pequena diz-se que em poucos meses um aparelho de última geração “envelhece”. Também os “gadgets” têm conhecido um constante progresso e aprimoramento. Os telefones celulares ora diminuem de tamanho, ora aumentam; o mesmo se diga dos computadores pessoais, bem como dos “notebooks”. Os televisores formam um caso à parte, com as telas cada vez maiores. Mas o progresso não se limita aos tamanhos das telas e sim também a outros componentes, mas o que é notável mesmo é o tamanho da tela. Plasma, LCD e outros avanços tornam-se secundários quando se analisa a tela, cada vez maior – e o preço aumenta na mesma proporção da tela. Sem dúvida, todos esses aparelhos fazem parte do objeto de desejo de todas as pessoas. E quando não se tem o bem, nem dinheiro para adquiri-lo, e nem vergonha na cara, furta-se-o. Sempre se admitiu que o sonho do brasileiro era a casa própria: aproveitando-se desse fato, o governo federal crio

Carona ao viciado

          Ambos eram alunos da Unicamp; um, do colégio técnico; outro, da Faculdade de Tecnologia de Alimentos. Este se mostrou tão capaz e interessado durante o curso que lhe foi atribuída uma bolsa-pesquisa. Nem amigos eram; apenas se conheciam. Uma noite, estavam ambos numa festa quando o do colégio técnico pediu ao outro, que tinha uma moto, que o levasse até a casa de um traficante de entorpecente no bairro Taquaral, mais precisamente num ponto desse bairro que os moradores mais antigos de Campinas chamavam de “furazóio”. Assim foi feito: foram ambos à casa do traficante. O garupa – o estudante do colégio – desceu e adquiriu a droga (“maconha”); era uma quantia razoável. Quando estava se aboletando na moto para saírem dali, foram abordados pela polícia que, para azar de ambos, estava ali vigiando a casa (no jargão policial, “fazendo campana”). Foram ambos ao plantão policial e o carona foi autuado em flagrante delito pelo crime de porte de entorpecente (artigo 16 da Lei 6.36

Até agora ninguém foi preso.

      Ou: por enquanto ninguém foi preso. Essa frase se tornou corriqueira nos telejornais de todo o Brasil e habitualmente encerra a locução de notícias sobre crimes, muitas vezes sem que se saiba o nome do (suposto) criminoso (ou criminosos). Por exemplo: “três homens encapuzados 'assaltaram' uma agência bancária no bairro Aparecidinha. Até agora ninguém foi preso”. A primeira pergunta que me assalta (sem nenhuma conotação com o fato) é a seguinte: como alguém desconhecido poderia ser preso? A não ser que a polícia tivesse poderes mediúnicos ou extrassensoriais ela poderia, usando talvez uma bola de cristal, descobrir a identidade dos “assaltantes” e o local em que eles estivessem e efetuar a prisão.       Essa frase tola (imagino que os redatores dos telejornais não se deram conta do grau de tolice que ela exprime, ou, talvez, o que é duvidoso, tenham alcançado o grau de bobagem que ela encerra todavia continuam escrevendo-a somente como uma crítica velada à políc

Do maçarico à dinamite

      A criatividade dos “amigos do alheio” (como se dizia antanho para caracterizar os que praticavam crimes patrimoniais) é inexcedível: sempre passando de uma forma de atacar o patrimônio alheio à outra e sempre inovando, ao contrário do que acontece em outras modalidades delituosas em que os meios de cometimento são sempre os mesmos. Por exemplo, nos crimes contra a vida: os meios utilizados são sempre a faca, a arma de fogo, a marreta e tantos outros conhecidos, embora Nélson Hungria cite em sua obra “Comentários ao Código Penal” um meio inusitado de matar alguém – provocar risos. O exemplo foi extraído do conto de Monteiro Lobato “O engraçado arrependido” (vale a pena ler o conto – acredito que esteja disponível na “internet”).       Já os crimes patrimoniais sofrem ao longo do tempo uma metamorfose digna de um conto de Franz Kafka. É certo que alguns desses crimes estão em franca decadência, já que a habilidade e a lábia cederam lugar à truculência. Não se fala mais em “p

As peladas de Porto Alegre e o ato obsceno

       Em Porto Alegre, uma cidade tão ausente dos noticiários, algumas mulheres resolveram praticar corrida “nuas em pelo”, conforme se dizia antigamente. Inicialmente uma, depois outra e finalmente mais outra: pronto, eram três exibindo as “partes pudendas”, porém devidamente aparelhadas à corrida – calçavam tênis e meias.       Ao ver as fotos, rapidamente me veio à mente um fenômeno que aconteceu na década de 70 inicialmente no exterior, em seguida no Brasil. Nos Estados Unidos da América e na Inglaterra tomou o nome de “streaking” e consistia no seguinte: o “streaker” despia-se em um local longe das vistas das pessoas e depois passava correndo, em alta velocidade, em locais em que havia aglomeração. Alguns eram alcançados pelos policiais e conduzidos às delegacias. Como tudo que é novidade, o Brasil “importou” a prática e aqui ela tomou o nome de “chispada pelada” (chispada vem do verbo chispar, que tem vários significados, sendo um deles “deslocar-se velozmente”).