A
confissão sempre foi considerada a “rainha das provas”, ao passo que a prova
testemunhal era a “prostituta”, em virtude de sua falibidade, seja porque a
testemunha sofreu perdas em sua memória, seja porque de alguma forma resolveu
mentir. Ninguém melhor do que o suspeito (ou acusado) para contar como o crime
ocorreu, pois, supostamente, foi ele que o praticou. A confissão no processo
representava de uma certa forma, tal qual na religião, o arrependimento do
sujeito ativo da infração criminal.
Como
era a rainha das provas, nada melhor, raciocinava-se em tempos de antanho, do
que, ante a recalcitrância do suspeito, empregar a tortura para fazê-lo admitir
haver sido ele a praticar o crime. Ademais, naqueles tempos os castigos físicos
compunham a maioria das penas para inúmeros crimes. No conceito “castigo
físico” inclua-se a morte. Sob tortura a pessoa confessava até crimes que não
havia praticado.
Na
literatura jurídica brasileira há um caso que é estudado à exaustão e foi
adaptado ao cinema: o caso dos irmãos Naves. Eles foram acusados de latrocínio
pois teriam sequestrado e matado uma pessoa para roubarem uma carga que ela
transportava. Torturados a não mais poder, admitiram a prática criminosa e
foram condenados. Depois de algum tempo, a suposta vítima apareceu sã e salva.
Constatado o erro, eles foram soltos, mas um deles morreu no cárcere. O estado
de Minas Gerais, onde ocorreu o fato, foi condenado a pagar uma indenização.
A
tortura como meio de obter confissão foi largamente empregada durante o período
da ditadura militar, nos, por assim dizer, “porões” dos quartéis, provocando
até morte, como foi o caso do jornalista Vladimir Herzog. O mais dramático
nesse capítulo da vida brasileira é que, para ocultar que a morte foi
consequência dos castigos físicos nas dependências do II Exército, mais
precisamente no DOI-CODI, simulou-se que ela havia cometido o suicídio, o que
causaria graves incômodos à família, pois ele, como judeu que se matou, deveria
ser inumado em local reservado do cemitério. Se não fosse a coragem do rabino
Henry Sobel a humilhação teria acontecido.
A
tortura foi combatida pelo Estado brasileiro não como deveria ser, segundo a
opinião de alguns, e o combate acabou se cristalizando numa lei em que se pode
constatar que uma das suas finalidades é exatamente punir o agente que emprega
tortura para obter confissões.
Mas
esse meio violento de obter a admissão de culpabilidade deixou a cena – não
totalmente, é claro – para que uma atividade menos danosa à integridade física
(e, por que não dizer: psicológica também) tomasse o seu lugar: a delação
premiada. A delação premiada – ou, mais eufemisticamente, a ação de réu
colaborador – nada mais é do que, em uma das suas facetas, confessar o crime
com todas as suas circunstâncias e apontar os demais participantes da
empreitada delituosa. É claro que ela não se resume a apenas isso, pois há
outros requisitos, mas o principal é esse, pois é a partir dele é que poderão
ser atingidos os demais efeitos (recuperação do capital em alguns tipos de
crimes).
Representa
um progresso ela mudança da posição? Na maioria dos casos, sim, já que se
respeitará a integridade corporal do suspeito, mas, aos olhos de alguns
profissionais, não, pois a figura do delator sempre foi vista com muito
preconceito: Judas que o diga.
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