Às
vezes, ocorrem situações extremamente curiosas – para não dizer histriônicas –
no cotidiano jurídico-penal que são dignas de fazer parte de um anedotário. É
de palmar compreensão que em todos os crimes há um lado dramático – por vezes
muito dramático, como no homicídio -, mas sempre existe um lado cômico; ao
menos, curioso.
Depois
de trinta e nove anos exercendo a advocacia criminal, vinte e cinco dos quais cumulativamente
como Procurador do Estado exercendo as atribuições próprias de Defensor Público
(naquela época não existia essa importante instituição – o acesso à justiça era
exercido pela Procuradoria de Assistência Judiciária) foram incontáveis as situações
insólitas por mim presenciadas – em algumas, vividas como protagonista.
Diversas
foram relatadas em um livro por mim escrito “Casos de júri e outros casos”,
Editora Millennium, volume I; outras, no segundo volume ainda não publicado.
Uma
dessas situações foi por mim protagonizada. O réu e eu tínhamos sido colegas de
turma e tínhamos uma certa semelhança física (a mesma altura, a mesma cor de
cabelos, usávamos bigode e éramos [ah! que saudade] magros) e estávamos em
início de carreira; o ano era de 1977 e, por razões que agora não vêm a lume,
ele e outro advogado começaram a desentender-se. As provocações eram frequentes
nos corredores do fórum. Até que uma noite, o meu colega de turma, passando no
carro de um seu amigo defronte ao Éden Bar, viu o seu desafeto. Este bar
localizava-se quase na esquina das ruas Barão de Jaguara e General Osório e era
um “point” em cuja porta ficavam várias pessoas, todas as noites, “batendo papo”(mais
adiante, na mesma rua, havia outro “point”, o Café Regina). Como o carro teve
que parar por conta da luz vermelha do semáforo, começou a troca de ofensas
entre ambos. O meu colega de turma desceu do carro para agredir o seu desafeto
e este, ao tentar chutar o agressor, escorregou, caiu e foi “surrado”. Só pela
circunstância de ter caído é que ele apanhou, pois era mais alto e mais forte
do que o meu colega.
O
agredido foi ao distrito policial e fez lavrar boletim de ocorrência pelo crime
de lesão corporal. O agressor foi denunciado pelo Ministério Público e
iniciou-se o processo. Ele quis que eu assumisse a sua defesa; inicialmente, relutei.
Depois de muita insistência de sua parte, aceitei. No dia da audiência, entrou
na sala a primeira testemunha de acusação, que presenciara todo desenrolar dos
fatos, já que, na ocasião, conversava com a vítima.
De
plano, dava para perceber que ela tinha algum problema de visão, pois usava
óculos com grossas lentes. Instada a falar, passou a descrever com riqueza de
detalhes o acontecido. Ao terminar a descrição da agressão, o juiz lhe
perguntou se o agressor estava na sala. Ele olhou para mim, mas não para o réu,
e respondeu:
-
“Foi ele”, apontando para mim.
A
semelhança entre nós, que não tanta, provocou esse engano. Mais do que depressa
pedi ao juiz que fizesse constar na ata da audiência esse equivocado
reconhecimento, o que foi feito, debalde, porque esse engano não foi suficiente
para que o acusado fosse absolvido. Foi condenado a uma pena de detenção, 2
meses, com a concessão da suspensão condicional da pena.
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