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A mentira no Código Penal - III



Capítulo II – Crimes contra a honra

                         No Titulo I da Parte Especial encontra-se a proteção à honra (capítulo V) e o primeiro dos crimes que atingem esse valor tutelado em que há a mentira é a calúnia. A descrição típica é esta: “caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”. Conforme disserta Julio Fabbrini Mirabete, “o tipo é composto de três elementos: a imputação da prática de determinado fato; a característica de ser esse fato um crime (fato típico); e a falsidade da imputação. Assim, há calúnia tanto quando o fato não ocorreu como quando ele existiu, mas a vítima não é o seu autor. A falsidade da imputação é presumida, mas se admite que o agente prove a veracidade de sua afirmação por meio de exceção da verdade. Por outro lado, a imputação por fato verdadeiro nos casos em que não se admite a exceção da verdade constitui calúnia punível”[1]. Damásio de Jesus adverte: “a falsidade da imputação pode recair: 1º) sobre o fato; 2º) sobre a autoria do fato criminoso. No primeiro caso, o fato atribuído à vítima não ocorreu; no segundo, o fato criminoso é verdadeiro, sendo falsa a imputação da autoria”[2].
                        A difamação é o segundo dos crimes contra a honra e a sua descrição típica é esta, conforme o artigo 139 do Código Penal: “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”. Embora não esteja no texto legal a referência à mentira, o que faz com que seja delito contra a honra exista ainda que o “fato ofensivo à reputação” seja mentiroso, se o sujeito passivo for funcionário público e a ofensa for relativa ao exercício das suas funções, caberá a exceção da verdade. Sobre o tema manifesta-se Damásio de Jesus assim: “o tipo delitivo não exige a falsidade da imputação, como ocorre na calúnia. Aqui, em regra, é irrelevante que o fato seja falso ou verdadeiro. Excepcionalmente, entretanto, o legislador permite a prova da verdade quando se trata de fato ofensivo à reputação de funcionário público, desde que haja relação causal entre a ofensa e o exercício de suas funções”[3]. Isso equivale a reconhecer que de alguma forma a mentira permeia o tipo penal, pois se a imputação for verdadeira e contra funcionário público em razão de suas funções, poderá ser provada a verdade.


[1]. Obra citada, página 120.
[2]. Obra citada, página 218
[3]. Obra citada, página 227.

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