Ele ganhava a vida
fazendo o “jogo das tampinhas”, um “jogo” que resvala, dependendo da forma de
agir do jogador, no estelionato. Esse jogo é simples: são três tampinhas (ou
forminhas) e uma bolinha de espuma de nylon, postas num tabuleiro. O jogador
age com extrema rapidez, “embaralhando” as tampinhas e colocando a bolinha ora
sob uma, ora sob outra, e depois para e o apostador precisa adivinhar sob qual
tampinha está a bolinha. Se depender apenas da habilidade, pode ser um jogo em
que se ganha ou se perde. Por vezes, porém, o jogador esconde a bolinha sob a
unha (que ele deixa crescer mais do que as unhas dos outros dedos) de seu
dedinho de forma que o apostador nunca acertará.
Ele estava jogando na
esquina das ruas Ernesto Kuhlman e Treze de Maio quando surgiram alguns fiscais
da SETEC, o famoso “rapa”. Quiseram apreender o seu material, talvez porque
estivesse utilizando o solo urbano sem pagar os tributos correspondentes. Ele
se insurgiu. Ofendeu os fiscais. A Policia Militar foi chamada. Ele foi preso em
flagrante por desacato[1].
Foi estipulado um valor a título de fiança. Ele pagou e foi posto em liberdade.
Foi processado por esse
crime contra a Administração Pública praticado por particular na 1ª Vara
Criminal. Atuei em sua defesa. Ele foi absolvido[2].
Como é da praxe, ele não foi cientificado da sentença absolutória (a intimação
é feita apenas no caso de condenação). Fui intimado. Vi que ele tinha direito à
devolução do dinheiro recolhido a título de fiança, que estava depositado em
conta de poupança. Requeri a devolução. O Juiz deferiu. Enviei a ele carta
dizendo para comparecer ao fórum e retirar o alvará. Desconfiado, antes ele
esteve na Procuradoria a fim de inteirar-se do assunto. Sanei as dúvidas. Ele
foi buscar o alvará e sacou o dinheiro, que estava depositado numa conta que
rendia juros e correção monetária num banco estatal.
Nos dias atuais, eu o
vejo às vezes na esquina da rua Barreto Leme com a avenida Anchieta, vendendo
guarda-chuva (em dia chuvoso, claro), capa para aparelho celular e todos esses
outros produtos que são comercializados nas esquinas. Pela forma como ele me
olha, não tem a menor recordação de que eu fui o seu defensor. E que, além da
absolvição, consegui a devolução de uma quantia em dinheiro que ele nem sabia
que tinha direito. A vida de defensor público é assim mesmo.
[1].
Artigo 331 do Código Penal.
[2]. O
desacato hoje é considerado um crime de menor potencial ofensivo, a ele
aplicando-se a Lei nº 9.099/95, não havendo processo se o autor do fato aceitar
a transação penal. Naquela época, porém, havia processo e existiam inúmeras
teses desenvolvidas no Tribunal de Alçada Criminal.
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