Caso
no mínimo curioso – aos olhos dos leigos, pelo menos – foi julgado em grau de
recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça – autointitulado “tribunal
da cidadania” -: um crime tipificado na lei de proteção ao meio ambiente,
ou seja, o crime de pesca ilegal[1].
Um pescador amador foi praticar o seu hobby numa área em que tal atividade era
proibida, violando assim o artigo 34 da lei n° 9.605/98, cognominada “lei
ambiental”. Ocorre que, depois de fisgar um exemplar de um vertebrado aquático
(um bagre) – e não era mentira de pescador -, o agressor do meio ambiente
devolveu-o às águas de onde proveio. Não obstante essa sua atitude, foi
processado, tendo o caso chegado ao STJ sob a forma de recurso. Provido este, a
ementa do julgamento é esta: Crime ambiental. Pesca em local proibido.
Princípio da insignificância. Ausência de dano efetivo ao meio ambiente.
Atipicidade material da conduta. Rejeição da denúncia[2].
Embora
a ementa fale em “princípio da insignificância”, a melhor solução para o caso
pode estar em outro local do Código Penal[3],
na parte em estão definidos o arrependimento eficaz e a desistência voluntária.
Estas duas causas que afastam a atipicidade material (para usar a linguagem da
ementa do acórdão) da conduta estão definidas no artigo 15, assim: “o agente
que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o
resultado se produza, só responde pelos atos praticados”.
Desiste
voluntariamente de prosseguir na execução: esta expressão significa que o
sujeito ativo ainda não esgotou os atos que levariam à consumação do crime; ou,
em outras palavras, tendo ainda que percorrer parte do “iter criminis”
(itinerário ou caminho do crime), ele, sem pressão externa nenhuma, desiste.
Impede
que o resultado se produza: nesta figura penal, o sujeito ativo já esgotou o
“iter criminis”, mas, não obstante isso, com sua atividade impede que se produza
o resultado criminoso que ele com a sua ação procurava, realizar.
Em
ambas as hipóteses, fica afastada a tipicidade da conduta, devendo ser punido o
sujeito ativo apenas pelo atos anteriormente praticados. Por exemplo: uma
pessoa entra numa casa para dali subtrair coisas móveis (artigo 155 do Código
Penal) (um smartphone), e desiste da subtração. Embora ele tenha ali entrado
movido pela intenção de praticar a subtração, essa desistência faz com que
fique afastada a punição pelo crime de furto (no caso seria tentado),
remanescendo a punição pelos atos anteriores, no caso, violação (invasão) de
domicílio (artigo 150).
Ao
ter retirado o bagre das águas e tendo depois devolvido-o a elas, ele, como
tinha percorrido todo o caminho do crime impedindo porém que o resultado se
produzisse, ou seja, preenchendo a figura do arrependimento eficaz, cometeu um não-crime:
afastada a figura da pesca ilegal[4],
os atos anteriormente praticados não serão suficientes para que ela seja
punido, pois não estão previstos na lei penal específica.
É
um caso muito interessante de aplicação prática do que existe na teoria, ou
seja, da concretização do Direito.
Abaixo
a notícia do julgamento.
Devolução de peixe vivo ao rio após pesca em local proibido afasta crime ambiental
A Sexta
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não considerou crime ambiental a
pesca feita com vara, em local proibido, de um bagre que foi devolvido ainda
vivo ao rio. O fato ocorreu na Estação Ecológica de Carijós, em Florianópolis,
local voltado para a preservação da natureza e a realização de pesquisas
científicas.
A decisão
reconheceu a atipicidade da conduta do pescador, pois a devolução do peixe vivo
ao rio demonstrou “a mínima ofensividade ao meio ambiente”, conforme afirmou o
relator do processo, ministro Nefi Cordeiro.
O
recorrente foi flagrado por agentes de fiscalização do Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade – ICMBio com o bagre ainda vivo na mão, uma
vara de molinete e uma caixa de isopor em local proibido para a pesca.
Ele foi
denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) pela prática do crime previsto
no artigo 34 da Lei
9.605/98. Entretanto, o magistrado de primeiro grau aplicou o princípio da
insignificância e rejeitou a denúncia, por entender inexpressiva a lesão
jurídica provocada, faltando “justa causa para a persecução criminal”, que
seria “absolutamente desproporcional” diante do fato ocorrido.
Amador ou
profissional
O
Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que a conduta de entrar
na estação ecológica com material de pesca e retirar bagre do rio afastava a
aplicação da insignificância, “não importando a devolução do peixe ainda vivo”,
e que o material apreendido demonstrava “certa profissionalidade” do acusado.
No STJ, o
ministro Nefi Cordeiro afirmou que, segundo a jurisprudência do tribunal,
“somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação
dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado indicar que é ínfimo
o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado, isto
porque não se devem considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão
econômica da conduta, mas deve-se levar em conta o equilíbrio ecológico que faz
possíveis as condições de vida no planeta”.
A turma
entendeu que os instrumentos utilizados pelo recorrente (vara de molinete,
linhas e isopor) são de uso permitido e não configuram profissionalismo, mas,
ao contrário, “demonstram amadorismo do denunciado”. Além disso, como houve a
devolução do peixe vivo ao rio, os ministros consideraram que não ocorreu lesão
ao bem jurídico protegido pela lei, sendo a conduta atípica.
[1] .
Como sói acontecer, os menos esclarecidos perguntarão, como sempre fazem:
precisa um tribunal superior julgar um caso desses? Não precisa: deve.
[2] .
Denúncia, em linguagem jurídica, é a acusação (formal) feita pelo Ministério
Público perante um juiz competente para julgar o caso. Para uns, é o início do
processo criminal.
[3] .
Este princípio não existe formalmente adotado no Código Penal.
[4] .
Artigo 34 – pena de 1 a 3 anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.
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