Em
dois turnos, como determina a lei, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de
emenda à constituição (PEC) n° 171/93, que agora, como também determina a lei,
seguirá para votação no Senado Federal. Tal PEC prevê a redução da maioridade
penal para 16 anos ("são inimputáveis os menores de 16 anos") e não de forma ampla e sim para uns poucos delitos.
Desde
logo chama a atenção o tempo de tramitação da proposta: 22 anos. Como o
presidente da Câmara demonstrou desde que assumiu o cargo a sua ojeriza ao PT,
ou melhor, ao governo federal, e tem feito tudo ao seu alcance para infernizar
o Poder Executivo, e este e o PT são contrários à redução, só se pode concluir
que ele “desengavetou” o projeto apenas como um afronta.
Mas,
como uma redução da maioridade penal “à brasileira”, os nobres parlamentares
demonstraram mais uma vez, na elaboração de um projeto e na sua votação, que
desconhecem o arcabouço jurídico pátrio. A emenda, uma verdadeira “emenda” no
sentido de que “pior a emenda do que o soneto”, prevê a redução da maioridade
penal par 16 anos para alguns crimes, dentre os quais os crimes hediondos, tais
como estupro e latrocínio -, acrescentando mais dois: o homicídio qualificado e
a lesão corporal seguida de morte. O homicídio qualificado por uma lei do
longínquo ano de 1994 já é considerado um crime hediondo. Uma das consequências
do crime quando tachado de hediondo é que a pena deverá ser cumprida inicialmente
no regime fechado – penitenciária de segurança máxima ou média -, devendo o
condenado cumprir pelo menos 2/5 da pena; este é apenas um requisito temporal e
outros requisitos devem ser atendidos. Isso já demonstra uma profunda
desatenção do legislador.
O
que não dá para entender é reduzir a maioridade penal para 16 anos para quem
comete o crime de lesão corporal seguida de morte: não existe qualquer
fundamento jurídico para essa modificação. O crime de lesão corporal
seguida de morte está definido no artigo 129,
parágrafo 3°, do Código Penal, como portanto somente um parágrafo do artigo que
define o crime de lesão corporal. Diz o artigo 129, “caput”: ofender a integridade corporal ou a
saúde de outrem. A pena cominada é de detenção, de 3 meses a 1 ano. Ou seja: é
uma infração penal de menor poder ofensivo. O parágrafo 3° tem a seguinte
redação: se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis
o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo. A pena é de reclusão, de 4 a 12
anos.
A
lei é muito clara e somente os parlamentares não a enxergaram: o agente não
quis [dolo direto] matar a vítima, nem assumiu o risco de produzi-lo [dolo
eventual]. Ele quis apenas ofender a integridade corporal ou a saúde da vítima, talvez levemente,
e num excesso de fim, provoca a sua morte. Diz a doutrina: há dolo no
antecedente e culpa no consequente. Um exemplo tirado da vida real, em que
trabalhei na defesa da ré: esta ouvia música em seu quarto num volume que incomodava o
seu pai. Este dirigiu-se ao quarto exigindo que o volume fosse diminuído.
Instaurou-se uma discussão entre eles, com safanões de ambas as partes. A filha
empurrou o pai que caiu e bateu a cabeça na quina da cama, sofrendo uma lesão
cerebral, que lhe provocou a morte. As circunstâncias, à toda, evidenciaram que
ela não quis a morte do pai, nem assumiu o risco de produzi-la. Caso a pessoa
seja condenada pelo crime à pena mínima, 4 anos, poderá cumpri-la integralmente
no regime aberto. Poderá, ainda, conforme parte da doutrina, ser substituída
por penas restritivas de direitos.
Pois
é: um crime que não é dos mais graves, nem hediondo, teve a maioridade penal
reduzida. Não dá para entender.
Abaixo um "link" que contém um capítulo do livro "Casos de júri e outros casos".
http://silvioartur.blogspot.com.br/2012/07/brincadeira-mortal.html
Comentários
Postar um comentário