Pular para o conteúdo principal

Ricardo Teixeira e a aplicação da lei penal




      Um dos temas mais importantes – aliás, para quem quiser aprender a Ciência Penal, todos são - do Direito Penal diz respeito à aplicação da lei penal: em outros termos, aplicação do Código Penal e das leis penais extravagantes[1] . Em geral, os alunos, a princípio, confundem esse tema com outro: aplicação da pena, mas são completamente diferentes.
      Em que território deve ser aplicada a lei penal brasileira? O assunto está tratado no artigo 6°do Código Penal, que tem a seguinte rubrica, em negrito: lugar do crime. E o texto legal tem a seguinte redação: “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Ao crime totalmente cometido no Brasil, ou seja, que se consumou no país, aplica-se o Código Penal. Se aqui ele ficou na tentativa, idem. Se parte do “iter criminis” (“caminho do crime”, “itinerário do crime”) deu-se no Brasil, aplica-se a nossa lei. Exemplo: no tráfico de entorpecente que se iniciou em outro país mas passa pelo território nacional, a nossa lei é aplicável.
      Essa regra – da territorialidade – comporta algumas exceções, que estão catalogadas no artigo seguinte, o 7°, cuja rubrica lateral, também em negrito, é extraterritorialidade, e descritas nos incisos e alíneas desse artigo. Diz o “caput” do artigo: “ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: b) os praticados por brasileiro”. A aplicação da lei penal brasileira, porém, depende de algumas condições, dentre as quais destaco esta, existente no parágrafo 2°, alínea a: entrar o agente no território nacional; já a alínea “b” dispõe que o fato deve ser punível também no país em que foi praticado.
      Sabe-se que na Espanha foi expedida um ordem internacional de prisão contra o ex-todo-poderoso presidente da CBF e ex-todo-poderoso genro do sempiterno presidente da FIFA e seu mentor, João Havelange, Ricardo Teixeira (ele está com uma pendência legal também nos EUA, onde chegou a residir e a partir da prisão de Marin, escafedeu-se daquele país). Naquela nação está sendo feita uma devassa no futebol – tal qual deveria ser feito no Brasil – e já fez com que alguns “notáveis” fossem encarcerados, como, por exemplo, Alexandre Rosell I Feliu, conhecido por Sandro Rosell[2], que presidiu o Barcelona de 2010 a 2014. Foram descobertas diversas falcatruas a ele atribuídas quando presidia a equipe catalã. Ricardo Teixeira é apontado como tendo participado de algumas delas, o que lhe proporcionou a bagatela de 23 milhões de reais.
      Essa “extraterritorialidade” cai como uma luva em Ricardo Teixeira porque há proibição constitucional de que ele seja extraditado para ser julgado na Espanha (ou em qualquer outro país): a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5°, inciso LI, proíbe a extradição do brasileiro nato (do naturalizado, sim, em algumas poucas hipóteses). Como ele, por ser brasileiro nato (suponho que seja), não poderá em nenhuma hipótese ser extraditado, a solução que as leis penais brasileiras estabelecem é que ele seja julgado no Brasil e, para tanto, deverão ser trazidos ao nosso país todos os procedimentos penais realizados na Espanha, aqui traduzidos, analisados, e, se for o caso, processar esse ex-dirigente da CBF, decretando-se, ainda se for o caso, a sua prisão cautelar (provisória ou preventiva). Isso sem contar que ele poderá ser, ao mesmo tempo, processado também na Espanha (como, aliás, já está acontecendo), e, caso isso ocorra, há meio de contestar essa duplicidade de punição pelo mesmo fato (ou mesmos fatos).
      Essa solução – a do brasileiro ser processado [e condenado] por crime cometido no estrangeiro - não será novidade: uma delas ocorreu há pouco tempo e envolveu dois brasileiros que cometeram um homicídio no Japão e fugiram para o Brasil, onde foram julgados em júri popular e condenados. Este assunto está “destrinchado” em outro artigo que escrevi[3].
      Com essa decisão provisória da justiça castelhana, se ele deixar o solo brasileiro corre o altíssimo risco de ser encarcerado e transportado à Espanha.


[1] . Aqui, o termo é empregado em seu sentido próprio, qual seja: leis penais que não estão no Código Penal por que lhe são posteriores, como, por exemplo, a lei de lavagem de dinheiro.
[2] . Coincidentemente, quando Sandro Rosell foi “arrestado” (como se diz lá), e isso se deu no dia 23 de maio, eu estava na Espanha e as emissoras de televisão, em todos os telejornais, falava muito sobre o assunto, sempre citando o nome de Ricardo Teixeira.
[3] . http://silvioartur.blogspot.com.br/2016/12/dois-brasileiros-condenados-por.html

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Influencers

A nova era trouxe, além das novidades diárias, representadas pelas redes sociais, um novo vocabulário no qual há o (a) “influencer”. Como já li em alguma parte mas não me recordo precisamente em qual, antigamente “influencer” era o pai, a mãe, o professor, o pároco, o pastor, pessoas que, de uma forma ou de outra, pelo conhecimento e proeminência que possuíam, conseguiam influenciar um sem número de pessoas. Tome-se por exemplo o professor: pelos ensinamentos transmitidos aos alunos, ele consegue influenciá-los. Na atualidade, “influencers” são muitas vezes pessoas que se tornam conhecidas por besteiras que realizam e publicam nas redes sociais, valendo notar que algumas delas mal sabem se expressar no idioma pátrio. Pode-se começar com um bom exemplo: uma dessas figuras, numa “live”, defendeu que no Brasil, desconhecendo que a legislação proíbe, fosse, por assim dizer, legalizado o partido nazista, pois assim, na sua visão, os adeptos desse totalitarismo seriam conhecidos. Mas