Um
dos temas mais importantes – aliás, para quem quiser aprender a Ciência Penal,
todos são - do Direito Penal diz respeito à aplicação da lei penal: em outros
termos, aplicação do Código Penal e das leis penais extravagantes[1]
. Em geral, os alunos, a princípio, confundem esse tema com outro: aplicação da
pena, mas são completamente diferentes.
Em
que território deve ser aplicada a lei penal brasileira? O assunto está tratado
no artigo 6°do Código Penal, que tem a seguinte rubrica, em negrito: lugar do crime. E o texto legal tem a
seguinte redação: “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a
ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria
produzir-se o resultado”. Ao crime totalmente cometido no Brasil, ou seja, que
se consumou no país, aplica-se o Código Penal. Se aqui ele ficou na tentativa,
idem. Se parte do “iter criminis” (“caminho do crime”, “itinerário do crime”)
deu-se no Brasil, aplica-se a nossa lei. Exemplo: no tráfico de entorpecente
que se iniciou em outro país mas passa pelo território nacional, a nossa lei é
aplicável.
Essa
regra – da territorialidade – comporta algumas exceções, que estão catalogadas
no artigo seguinte, o 7°, cuja rubrica lateral, também em negrito, é extraterritorialidade, e descritas nos
incisos e alíneas desse artigo. Diz o “caput” do artigo: “ficam sujeitos à lei
brasileira, embora cometidos no estrangeiro: b) os praticados por brasileiro”. A
aplicação da lei penal brasileira, porém, depende de algumas condições, dentre
as quais destaco esta, existente no parágrafo 2°, alínea a: entrar o agente no
território nacional; já a alínea “b” dispõe que o fato deve ser punível também
no país em que foi praticado.
Sabe-se
que na Espanha foi expedida um ordem internacional de prisão contra o
ex-todo-poderoso presidente da CBF e ex-todo-poderoso genro do sempiterno presidente
da FIFA e seu mentor, João Havelange, Ricardo Teixeira (ele está com uma
pendência legal também nos EUA, onde chegou a residir e a partir da prisão de Marin,
escafedeu-se daquele país). Naquela nação está sendo feita uma devassa no
futebol – tal qual deveria ser feito no Brasil – e já fez com que alguns “notáveis”
fossem encarcerados, como, por exemplo, Alexandre Rosell I Feliu, conhecido por
Sandro Rosell[2], que presidiu o Barcelona
de 2010 a 2014. Foram descobertas diversas falcatruas a ele atribuídas quando
presidia a equipe catalã. Ricardo Teixeira é apontado como tendo participado de
algumas delas, o que lhe proporcionou a bagatela de 23 milhões de reais.
Essa
“extraterritorialidade” cai como uma luva em Ricardo Teixeira porque há
proibição constitucional de que ele seja extraditado para ser julgado na
Espanha (ou em qualquer outro país): a Constituição da República Federativa do
Brasil, em seu artigo 5°, inciso LI, proíbe a extradição do brasileiro nato (do
naturalizado, sim, em algumas poucas hipóteses). Como ele, por ser brasileiro
nato (suponho que seja), não poderá em nenhuma
hipótese ser extraditado, a solução que as leis penais brasileiras
estabelecem é que ele seja julgado no Brasil e, para tanto, deverão ser
trazidos ao nosso país todos os procedimentos penais realizados na Espanha, aqui
traduzidos, analisados, e, se for o caso, processar esse ex-dirigente da CBF,
decretando-se, ainda se for o caso, a sua prisão cautelar (provisória ou
preventiva). Isso sem contar que ele poderá ser, ao mesmo tempo, processado
também na Espanha (como, aliás, já está acontecendo), e, caso isso ocorra, há
meio de contestar essa duplicidade de punição pelo mesmo fato (ou mesmos
fatos).
Essa
solução – a do brasileiro ser processado [e condenado] por crime cometido no
estrangeiro - não será novidade: uma delas ocorreu há pouco tempo e envolveu
dois brasileiros que cometeram um homicídio no Japão e fugiram para o Brasil,
onde foram julgados em júri popular e condenados. Este assunto está “destrinchado”
em outro artigo que escrevi[3].
Com
essa decisão provisória da justiça castelhana, se ele deixar o solo brasileiro
corre o altíssimo risco de ser encarcerado e transportado à Espanha.
[1] .
Aqui, o termo é empregado em seu sentido próprio, qual seja: leis penais que
não estão no Código Penal por que lhe são posteriores, como, por exemplo, a lei
de lavagem de dinheiro.
[2] .
Coincidentemente, quando Sandro Rosell foi “arrestado” (como se diz lá), e isso
se deu no dia 23 de maio, eu estava na Espanha e as emissoras de televisão, em
todos os telejornais, falava muito sobre o assunto, sempre citando o nome de
Ricardo Teixeira.
[3] . http://silvioartur.blogspot.com.br/2016/12/dois-brasileiros-condenados-por.html
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