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Desencarceramento e indulto



      Um dos candidatos à presidência da República, talvez num gesto de desespero, tentando captar votos entre as famílias das pessoas que cumprem pena aprisionadas, afirmou, supõe-se que como “plano [ou meta] de governo”, caso, desgraçadamente seja eleito, que pretende promover o “desencarceramento” das pessoas que cumprem pena pela prática de “pequenos delitos”. Não a especificou, como sói acontecer em situações que tais, vale dizer, de campanhas eleitorais. Não o fez porque não há como, o que demonstra, ademais, o seu péssimo assessoramento na área jurídica, especialmente na Penal.[1]
      No Direito Penal brasileiro não existe conceito de “pequeno delito”. Pela Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e deu outras providências[2], foi introduzido o conceito de “infração penal de menor potencial ofensivo”, levando em conta exclusivamente a quantidade de pena prevista para o delito. O artigo 61 da referida lei está escrito assim: “consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa[3]. Como infração penal de menor potencial ofensivo podem ser citados os crimes de perigo de contágio venéreo (artigo 130) ou o de perigo para a vida ou a saúde de outrem (artigo 135).
      Quando é cometido um delito compreendido nessa lei, não há sequer processo: faz-se na Delegacia de Polícia um TCO (termo circunstanciado de ocorrência), que é encaminhado ao Poder Judiciário, em que é feita, pelo Ministério Público, ao (apontado) autor do fato uma proposta de imposição antecipada de pena, devendo ser esta ou restritiva de direito ou multa. Das penas restritivas a mais conhecida e mais utilizada é a prestação de serviços à comunidade, e uma das suas formar é a doação de cesta básica.
      Ou seja: simplesmente não há ninguém encarcerado por “pequenos delitos”. E, assim, não há como promover o desencarceramento.
      Outro tema que surgiu não propriamente do candidato, mas dos sectários da seita a que ele pertence, foi a possível concessão de indulto ao líder da , atrás das grades, seita, para que ele, sim, seja desencarcerado, já que cumpre. longa pena. O indulto[4], geralmente concedido na época natalina, está previsto na Constituição e no Código Penal, e é sempre coletivo, alcançando todos os que estiverem cumprindo pena privativa de liberdade (e, portanto, encarcerados) que preencham alguns requisitos legais, tais como tipo de crime cometido (com ou sem violência; hediondo ou não; e outros) e quantidade de pena imposta e pena cumprida. É concedido por meio de decreto presidencial. As principais características: é coletivo e é de inciativa do presidente da República. Mas existe também o indulto individual: artigo 188 da Lei de Execução Penal. Ele pode ser pedido por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, cabendo a decisão de concedê-lo (ou não) também ao Presidente da República. A iniciativa, porém, não é desta autoridade.
      Pode, então, ser concedido, porém não escapa, como qualquer decreto ou lei, à apreciação do Supremo Tribunal Federal, que poderá, num controle de constitucionalidade, anulá-lo ou restringir-lhe o alcance. O indulto coletivo do ano passado teve “correções” por parte do STF (relator ministro Roberto Barroso) e no vizinho Peru a Suprema Corte anulou o indulto individual concedido ao ex-presidente Fujimori: no afã de salvar seu mandato, o então presidente (que depois renunciou) Pedro Paulo Kuczynsky (o famoso PPK), fez um acordo com a bancada fujimorista para que votasse contra o impeachment.
     


[1] . Esse péssimo assessoramento ficou mais evidente no factoide criado pelo blog petista Falha de São Paulo: os advogados do partido ajuizaram no TSE um pedido de impugnação à candidatura do adversário, com pedido de liminar, baseados apenas na matéria do blog petista. Receberam um sonoro não.
[2] . Antes, o que existia, e somente na parte cível, era o Juizado de Pequenas Causas.
[3] . Anteriormente, a pena máxima era de 1 (um) ano. A lei n° 11.313, de 28 de junho de 2006, elevou para 2 (dois) anos.
[4] . Favor não confundir com a saída temporária.

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