Pular para o conteúdo principal

Coronavírus e crimes


         Em artigo postado aqui, a abordagem foi sobre crimes que poderiam ser cometidos por alguém com vistas apenas à transmissão da doença, ou seja, de que uma pessoa infectada transmita o vírus à outra. Dependendo do grau de intenção do sujeito ativo, poderiam ser configurados alguns delitos (por exemplo: perigo de contágio de moléstia grave [artigo 131]).
         Com o andamento da pandemia e a edição de novas regras governamentais sobre o tema, surgiu a possibilidade de que outros delitos ocorram, classificados como contra a Administração Pública praticados por particular. São especialmente três: desacato, desobediência e resistência. O mais comum deles sem dúvida será o de desobediência (artigo 330), cuja descrição é esta: “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, com a pena prevista de detenção, de quinze dias a seis meses, mais multa (esta é sempre fixada pelo juiz em dia-multa, de 10 a 360, no valor unitário de 1/10 a três vezes o salário mínimo). Pela quantidade da pena privativa de liberdade, ninguém poderá ser preso, menos ainda levado ao cárcere: trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo que pode ser resolvida com a prestação de serviço à comunidade doando algumas cestas básicas a quem o juiz determinar.
         Quando a lei penal fala em “ordem legal de funcionário público” existem dois requisitos essenciais: que a ordem esteja baseada numa lei (o Estado brasileiro baseia-se no princípio da legalidade: “ninguém pode fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude a lei”) e que o funcionário público que emite a ordem seja competente para fazê-lo. Exigiam alguns autores de nomeada que, para a existência do crime era necessário que a pessoa que recebe a ordem se mantivesse passivamente (“atitude gândica”), não podendo opor nenhuma reação bélica.
         Se for oposta alguma reação truculenta o crime será outro: o de resistência. Ele está descrito no artigo antecedente (329), cuja definição é a seguinte: “opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário público competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”, com a pena de detenção de dois meses a dois anos”. Também nesta hipótese não haverá prisão em flagrante tendo em vista a quantidade da pena privativa de liberdade.
         O terceiro delito, e que também poderá ocorrer, é o crime de desacato, cuja descrição está no artigo 331: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão desta”, com pena de seis meses a dois anos, mais multa. Esta hipótese quando a pessoa xingar o funcionário público que está exercendo a função.        
         Pelo menos dois deles podem ocorrer num mesmo contexto, quando a pessoa desobedece e desacatar o funcionário público. Entendem alguns que podem existir contemporaneamente os três, mas não é um entendimento unânime.
         Pode ocorrer, ainda, olhando por outro ângulo, que o funcionário público cometa algum excesso ao exercer a sua função, como se viu num episódio ocorrido em Araraquara, mas isto será objeto de outra abordagem.
        

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Influencers

A nova era trouxe, além das novidades diárias, representadas pelas redes sociais, um novo vocabulário no qual há o (a) “influencer”. Como já li em alguma parte mas não me recordo precisamente em qual, antigamente “influencer” era o pai, a mãe, o professor, o pároco, o pastor, pessoas que, de uma forma ou de outra, pelo conhecimento e proeminência que possuíam, conseguiam influenciar um sem número de pessoas. Tome-se por exemplo o professor: pelos ensinamentos transmitidos aos alunos, ele consegue influenciá-los. Na atualidade, “influencers” são muitas vezes pessoas que se tornam conhecidas por besteiras que realizam e publicam nas redes sociais, valendo notar que algumas delas mal sabem se expressar no idioma pátrio. Pode-se começar com um bom exemplo: uma dessas figuras, numa “live”, defendeu que no Brasil, desconhecendo que a legislação proíbe, fosse, por assim dizer, legalizado o partido nazista, pois assim, na sua visão, os adeptos desse totalitarismo seriam conhecidos. Mas