Pular para o conteúdo principal

O direito à liberdade de expressão e seus excessos

O direito à liberdade de expressão é um dos mais caros à civilização pois, em outras palavras, representa o direito (a faculdade) que a pessoa tem de livremente expor o seu pensamento. Não é, todavia, um direito absoluto, pois, para usar a definição de Bluntschli: “liberdade é a faculdade de exercer a própria vontade nos limites do Direito”. A pessoa tem a vontade de expressar o que pensa: pode fazê-lo, respeitando os limites impostos pelo Direito (no caso do Brasil, pelo Direito escrito). Por exemplo, alguém não pode expressar o que pensa sobre outra pessoa se esse pensamento atingir a honra da pessoa a quem ele se refere. Chama-la de “burro”, por exemplo, constitui-se num crime de injúria. Ela pode expressar esse pensamento, mas responderá criminalmente pelo que disse. Com o advento das redes sociais, aumentou grandemente a possibilidade de cada um expressar o que pensa, e isso provocou que muitas bobagens fossem ditas acobertadas supostamente por esse direito (muitos pensam que esse é um direito absoluto). A criação das redes trouxe em seu bojo novas “profissões”, como “youtuber” ou “influencer” (sempre me pergunto se essas “profissões” estão naquele rol existente na Secretaria da Receita Federal, conforme se pode constatar lendo-se o manual de instruções que nele existe). Esses novos profissionais em geral têm milhares (quiçá milhões) de seguidores e algumas vezes excedem-se no exercício do direito de liberdade de expressão, praticando crimes. Foi o que aconteceu recentemente com um desses “profissionais” (tem o epíteto de uma famosa marca de bicicleta) ao manifestar-se, durante uma “live”, da qual participavam dois parlamentares, favorável à criação de um partido nazista no Brasil. Não cabe aqui repetir os argumentos utilizados por ele para embasar o seu pensamento, pois seria pura perda de tempo (e de espaço – para usar as duas categorias apriorísticas do conhecimento, segundo Kant), mas sim ressaltar que uma pessoa como essa, que tem centenas de milhares de seguidores, possa assim manifestar-se mostrando total ignorância da História e da legislação. Ignora a História porque não saber sequer o que foi o Holocausto: ele poderia ter lido o melhor livro escrito por um sobrevivente de um campo de concentração, o do italiano Primo Levi, chamado “É isto um homem?”, em que ele descreve desde a sua captura na Itália, o seu transporte por trem (em vagão de transportar gado) até o campo de extermínio, a sua permanência ali até a libertação do local pelos soviéticos. É um livro impressionante – o melhor escrito por um sobrevivente do Holocausto (como dito linhas atrás). Desconhece a lei: existe um preceito que está em todos os locais segundo o qual ninguém o pode alegar ignorância da lei. A lei que instituiu os crimes de preconceito de raça ou de cor (7.716/89), dentre os quais está o de, instituído pela Lei n° 9.459/97, “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas eu utilizem a cruz suástica ou gamada para fins de divulgação do nazismo”. A desculpa esfarrapada que o comunicador trapalhão deu para explicar o que disse foi a de que ele “estava bêbado”. Vale registrar que a embriaguez não exclui a responsabilidade penal. Como pode alguém, um “youtuber” ou “influencer”, participar de uma “live” bêbado?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...

A memória

A BBC publicou tempos atrás um interessante artigo cujo título é o seguinte: “O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo” e “lembrar de tudo” diz com a memória. Este tema – a memória- desde sempre foi – e continua sendo – objeto de incontáveis abordagens e continua sendo fascinante. O artigo, como não poderia deixar de ser, cita um conto daquele que foi o maior contista de todos os tempos, o argentino Jorge Luis Borges, denominado “Funes, o memorioso”, escrito em 1942. Esse escritor, sempre lembrado como um dos injustiçados pela academia sueca por não tê-lo agraciado com um Prêmio Nobel e Literatura, era, ele mesmo, dotado de uma memória prodigiosa, tendo aprendido línguas estrangeiras ainda na infância. Voltando memorioso Funes, cujo primeiro nome era Irineo, ele sofreu uma queda de um cavalo e ficou tetraplégico, mas a perda dos movimentos dos membros fez com que a sua memória se abrisse e ele passasse a se lembrar de tudo quanto tivesse visto, ou mesmo (suponho) imaginado...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...