Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2012

"Lei seca", outro equívoco

              A mais recente tentativa de “endurecer” o combate à embriaguez ao volante, como sempre ocorre, está se mostrando um equívoco. Saudada pela mídia como a “pá de cal” nesse grave problema, a "solução final", ela incorre no mesmo erro das leis anteriores – e parece que ninguém prestou atenção nesse aspecto. Trata-se da lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012.             Um breve histórico: dirigir embriagado não era crime, quando muito uma contravenção penal (um “crime anão”, nos dizeres de Nelson Hungria) e ainda assim por mera interpretação. É que a norma contravencional punia quem dirigisse perigosamente (“direção perigosa de veículo") e se construiu uma interpretação jurisprudencial de que quem assumisse o volante de um veículo em estado de embriaguez cometia essa infração penal. O Código Penal de 1969, que nunca entrou em vigor, criava um tipo penal específico, a embriaguez ao volante. Foi somente com o Código Nacional de Trânsito (lei nº 9

A morte do meio-irmão

                          Eles eram filhos da mesma mãe, porém de pais diferentes. Um trabalhava; o outro, não. A história sempre se repete, quase como o eterno retorno de Freud e Nietzsche. O trabalhador havia constituído família e, obviamente, morava em outra casa, em noutro bairro; o que não trabalhava vivia às expensas da família, morando no mesmo local. E começaram os problemas provocados pela ociosidade (“a ociosidade é a mãe de todos os males”, proclama o vetusto adágio popular): más companhias, pequenas infrações, envolvimento com drogas (é difícil acreditar na “teoria das más companhias”, pois ela parece mais desculpa de pais que não querem acreditar que os filhos podem errar; é preferível acreditar no ditado popular espanhol: “Deus os faz e ele se juntam”). De qualquer forma, esse filho solteiro, desempregado, envolvido com drogas, começou a preocupar a mãe. As conversas e os conselhos resultaram infrutíferos; depois, ele começou a responder de forma a

O mito dos massacres nos EUA

Mais um – infelizmente – massacre nos EUA, mais uma vez numa escola, desta vez com a maioria das vítimas sendo crianças. Mais uma vez surge a questão acerca da liberdade de portar arma de fogo, garantida pela 2ª emenda.             Um breve retrospecto dos massacres nos EUA demonstrará que o problema não deve ter o seu âmbito reduzido apenas à liberdade de possuir arma, tendo, muito mais, conexão com seitas religiosas ou não religiosas.             No dia 18 de novembro de 1978, 900 (sim, novecentas) pessoas morreram na Guiana, todas seguidoras de Jim Jones, fundador de uma seita chamada Templo do Povo. O motivo de estar fora do território dos EUA foi a investigação lhe moviam as autoridades estadunidenses. O Congresso autorizou que um seu membro, Leo Ryan, fosse à Guiana investigar. Ele, acompanhado de repórteres da rede NBC, foi ao local e ali foram mortos o congressista e três repórteres. Talvez receosos pela represália, houve um suicídio coletivo. Pelo menos foi assim

As várias mortes do prefeito - capítulo 24

Um mês após a morte do prefeito foi elaborado o laudo, pela polícia científica, de exame de local; nesse documento, inicialmente é descrito o local em que se deu a morte, e, em seguida, a forma como a vítima foi encontrada. Descreve os ferimentos (embora apenas um projétil tenha atingido a vítima, ele entrou e saiu do corpo, entrando novamente e novamente saindo) da seguinte forma: “ferimentos decorrentes de entrada oblíqua de projétil disparado por arma de fogo na região látero-posterior do braço esquerdo, sem zona de chamuscamento, esfumaçamento ou tatuagem, apresentando orla de contusão, o que indica reação vital quando da entrada do projétil. O projétil transfixou o braço, saindo pela região axilar tendo entrado novamente próximo da axila esquerda da vítima, causando ferimentos internos letais e saindo na região escapular direita, nas costas da vítima”. Acrescentava que “a descrição pormenorizada destes ferimentos, bem como de outros possivelmente existentes, ‘ a ‘causa mort

A perda do mandato eletivo como efeito da condenação

O mais recente embrulho a ser desatado nesse infindável episódio do julgamento da AP 470, conhecida como "mensalão", é o referente à perda de mandato eletivo dos deputados federais como efeito da condenação a que foram submetidos O Direito Penal brasileiro prevê alguns efeitos da condenação, além, é claro, do efeito "primário" consistente na imposição da pena. Os efeitos da condenação são divididos em genéricos e específicos. Os que importam aqui são os específicos, embora um dos genéricos tenha plena aplicação no caso presente: a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. São efeitos específicos: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos. Como exemplo da letra "a":

Em nome do irmão

                        O tiroteio aconteceu no Cambuí, nas proximidades da Igreja Nossa Senhora das Dores, num dia de semana, no período da tarde, uma daquelas tardes modorrentas e calmas: dois rapazes por ali perambulando, “em atitude suspeita”; alguém fez uma chamada telefônica ao 4° Distrito Policial; dois investigadores de polícia dirigiram-se ao local.                         Chegando, mal desceram do veículo do veículo oficial, já foram recebidos com tiros. Revidaram e o saldo foi o seguinte: um dos investigadores mortos (de nome Cristóvão: há uma placa no 4° Distrito Policial dando o nome desse policial àquela repartição), um daqueles rapazes também morto. O suspeito – agora homicida – sobrevivente fugiu do local a pé; quadras adiante, surpreendeu uma pessoa que retirava o automóvel da garagem e mediante ameaça com o emprego da arma, subtraiu o veículo e dirigiu-o até o início do bairro Nova Campinas; ali, abandonou-o, apanhou um táxi, e foi até um res

Novas leis penais e processuais-penais

            Numa só penada, ontem a Presidente da República sancionou três leis penais e processuais penais, uma das quais teve – conforme a mídia adora – muito destaque nos meios jornalísticos: a que já foi acunhada de “ lei Carolina Dieckmann ” . Sobre esta, já postei no meu blog um texto, mas vale recordar. Há 13 anos tramitava um projeto de lei de autoria do Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), protegendo penalmente dados existentes em computadores. Embora a Parte Geral do Código Penal seja do longínquo ano de 1940, algumas condutas cometidas por meio de computador e da internet são abrangidas por ela. Porém, nem todas. Daí a razão de ser do projeto de lei do senador. Estava ele lá “ hibernando ” quando, em 2011, um deputado do PT apresentou outro projeto e se iniciou uma “ queda de braço ” entre governistas e oposicionistas sobre qual projeto deveria ser aprovado. Enquanto “ a vara sobe e desce as costas descansam ” já proclama o ditado antigo: enquanto eles lutavam pela pater

O projeto de Código Penal e a culpa gravíssima

      O polêmico projeto de Código Penal que, presentemente, está no Senado Federal em prazo de recebimento de emendas e pode ser apelidado de “Geni” (da música “Geni e o zepelim”, de Chico Buarque de Holanda), pois muita gente lhe tem atirado pedra (para não dizer, como na canção, outra substância...), traz uma referência a um grau de culpa chamada de “gravíssima”, ressuscitando um tema que estava sepultado há tempos.      Sabe-se que é na Parte Geral do Código Penal que está o tipo penal que descreve o crime culposo. No Código Penal de 1940, a culpa estava no artigo 15, inciso II: “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Ficou a cargo da doutrina – e ela o fez proficuamente – interpretar (interpretação da lei penal quanto ao sujeito que a interpreta) em que consistia cada modalidade de culpa, bem como quais os graus de culpa, além, claro, dos componentes do crime culposo (inobservância do dever de cuidado objetivo, po

No colo da estátua

            Eles eram três jovens mal entrados na maioridade penal; todos estudavam, um deles numa universidade estadual de prestígio internacional. Aproveitando os conhecimentos adquiridos, para ganhar um pouco de dinheiro ele ministrava aulas num cursinho. Certa noite, saindo de uma festança regada a muita cerveja (como atualmente é muito comum nas universidades), ao passarem pela praça do Carmo, resolveram brincar numa estátua que ali existia, “a dama do café”.   A estátua – não se sabe a que título foi ali construída; aliás, nunca se sabe nada sobre os monumentos no Brasil, que são poucos; sobre os museus menos ainda, o que justifica a antiga frase: “o brasileiro não tem memória” (e nem quer ter, talvez por vergonha...) - se constituía numa mulher sentada num banco. Um dos rapazes subiu no monumento e sentou-se no colo da estátua; o outro quis fazer o mesmo; o terceiro imitou os demais. Como no colo da dama cabia apenas um, iniciou-se um empurra-empurra entre os três jovens, o qu

Um país de adivinhos

       De vez em quando surge uma categoria profissional nesta “nossa terra descoberta por Cabral” que passa a ser o centro de atenção da mídia, dando entrevistas em todos os meios de comunicação. Durante uma época foram os economistas – e, em certa medida, ainda são, como neste período do pagamento do 13º salário (o que fazer com ele?, esses profissionais estão sempre aconselhando). O “czar da economia brasileira” durante um período do regime militar, o todo-poderoso Delfim Netto (que nem economista era...), disse, certa vez, que “o economista prevê o passado”, em tom de blague, evidentemente.            De um tempo até os presentes dias, duas categorias disputam palmo a palmo a atenção da mídia: o tal “cientista social” e o “consultor de segurança”. Quando ocorrem as eleições, os cientistas sociais estão onipresentes na imprensa tentando interpretar a manifestação do eleitorado, ou, ainda, numa tarefa hercúlea, interpretar os dados das (quase sempre equivocadas) pesquisas el

Interrogatório por videoconferência

            Já tinha sido feito um interrogatório, por assim dizer, “à distância” e ele ocorreu na comarca de São Paulo: o magistrado em sua sala e o réu em outro lugar, possivelmente num presídio, mas não era possível as partes (juiz e réu) verem-se: a pergunta era digitada na tela do computador e a resposta idem.             O (então) Juiz de Direito titular da 1ª Vara Criminal da comarca de Campinas, Edison Aparecido Brandão, resolveu fazer aquele que seria o primeiro interrogatório por videoconferência do Brasil utilizando “webcam”. Todo o aparato foi montado numa sala do Fórum de Campinas que então estava cedida à Apamagis e na P I (Penitenciária I de Hortolândia). Foram escolhidos dois processos relativos a crimes não graves (um era por lesão corporal leve; o outro, por furto) e que os acusados estivessem presos por outro motivo [1] . Fui nomeado para atuar nos dois interrogatórios. Corria o ano de 1996.             Na sala de audiências estavam o Juiz de Direito, o Promo