Pular para o conteúdo principal

Interrogatório por videoconferência



            Já tinha sido feito um interrogatório, por assim dizer, “à distância” e ele ocorreu na comarca de São Paulo: o magistrado em sua sala e o réu em outro lugar, possivelmente num presídio, mas não era possível as partes (juiz e réu) verem-se: a pergunta era digitada na tela do computador e a resposta idem.
            O (então) Juiz de Direito titular da 1ª Vara Criminal da comarca de Campinas, Edison Aparecido Brandão, resolveu fazer aquele que seria o primeiro interrogatório por videoconferência do Brasil utilizando “webcam”. Todo o aparato foi montado numa sala do Fórum de Campinas que então estava cedida à Apamagis e na P I (Penitenciária I de Hortolândia). Foram escolhidos dois processos relativos a crimes não graves (um era por lesão corporal leve; o outro, por furto) e que os acusados estivessem presos por outro motivo[1]. Fui nomeado para atuar nos dois interrogatórios. Corria o ano de 1996.
            Na sala de audiências estavam o Juiz de Direito, o Promotor de Justiça que atuava perante na 1ª Vara Criminal, eu, o escrevente e vários jornalistas. Numa sala da penitenciária, o interrogando assistido por uma advogada da FUNAP (Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso – Fundação Professor Manoel Pedro Pimentel).
            Foram realizados os dois interrogatórios e a mídia campineira noticiou-os intensamente: afinal de contas, era a primeira que um interrogatório assim acontecia no Brasil.
            Havíamos combinado que, após a realização dos atos, eu impetraria dois pedidos de “habeas corpus”  (um para cada réu) no Tribunal de Alçada Criminal alegando a nulidade dos dois interrogatórios com a finalidade de testar a sua legalidade. Um dos fundamentos dos pedidos era a falta de publicidade do ato judicial, o que teria violado a Constituição da República Federativa do Brasil, que prevê, em seu artigo 93, inciso IX, que todos os julgamentos devem ser públicos (embora esteja escrito julgamento, todos os atos devem ser públicos[2], argumentei); o outro fundamento dizia com o direito de ampla defesa, vertente autodefesa, exercido no interrogatório, quando o acusado fisicamente deve ter a oportunidade de se manifestar sobre o crime que lhe atribuído.
            Quando a imprensa soube das impetrações ficou furiosa comigo, chegando um jornalista a afirmar que eu estava advogando o atraso ao colocar-me contra a modernidade[3].
            As duas impetrações foram distribuídas para câmaras diferentes e, claro, relatores diferentes: numa, a ordem foi concedida; na outra, não. Quanto a esta, interpus recurso ordinário constitucional, em vão, pois a denegação da ordem foi mantida. O fundamento para a manutenção é daqueles genéricos: eu não consegui demonstrar que o uso dessa tecnologia causou prejuízo (“somente se decreta a nulidade de um ato processual quando demonstrado o prejuízo”). (Este recurso tem o número RHC 6272 no STJ.)
            Posteriormente, no ano de 2005, uma lei paulista previu a possibilidade do interrogatório por videoconferência, mas os atos assim realizados eram sistematicamente anulados pelos tribunais superiores, por se tratar de lei estadual (e não federal, como deveria ser). E no ano de 2009, lei federal, a de número 11.900, modificando o Código de Processo Penal, mais especificamente o artigo 185, permite “excepcionalmente” que esse ato processual - o interrogatório -, quando o réu estiver preso, seja realizado por videoconferência.







[1]. O jargão forense era: “preso por outro processo”.
[2]. Conforme o juiz da Suprema Corte dos EUA, Louis Brandeis, “a luz do sol é o melhor desinfetante”.
[3]. “Sapateiro, não vá além das sandálias”, na vetusta advertência do pintor Apeles.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...