Pular para o conteúdo principal

O mito da pena mínima e o "mensalão"

Um dos mais importantes princípios de Direito Penal (e nem princípio somente é, pois consta da Constituição da República Federativa do Brasil [ela é, não se pode esquecer, de 1988], bem como do Código Penal [cuja Parte Geral é, também não se pode esquecer, de 1984], é o da individualização da pena.
Na técnica de legislar em matéria penal, e isso é de longa data, depois de descrever o fato, sempre com um verbo e seu objeto (por exemplo, o artigo 121, "matar alguém"), apresenta o tipo a cominação da pena, sempre entre dois limites, mínimo e máximo. No caso do homicídio, se for o simples, de 6 a 20 anos de reclusão; se for qualificado, de 12 a 30.
Para cumprir o preceito constitucional (e o infraconstitucional), da individualização da pena, o juiz deve passar por 3 fases, conforme claramente está no artigo 68 do Código Penal: na primeira fase, são analisadas as circunstâncias judiciais, descritas no artigo 59 (por exemplo, a culpabilidade, a conduta social e outras tantas, das quais se pode destacar, como novidade haurida em 1984, o comportamento da vítima), em que o magistrado utiliza - segundo nos termos da doutrina - seu prudente arbítrio. Nesta fase é fixada a pena-base.
Em seguida, na segunda fase, são analisadas as circunstâncias legais ou obrigatórias, que são as atenuantes e as agravantes. Como exemplo das primeiras, ser o réu menor de 21 anos na data do fato, e das segundas, a reincidência. Uma interessante discussão se fere nesta fase: pode uma atenuante trazer a pena abaixo do mínimo (supondo-se que na primeira fase tenha sido a pena fixada no mínimo)? O Superior Tribunal de Justiça construiu uma súmula, a de número 231, respondendo que não.
Depois de fixada a pena na segunda fase, passa o magistrado à terceira fase, em que são analisadas as causas de aumento ou diminuição da pena. Um exemplo das primeiras é o emprego de arma no cometimento do roubo, em que a pena será aumentada de 1/3 a 1/2, e um exemplo das segundas é a tentativa, em que a pena cominada ao crime consumado é diminuída de 1/3 a 2/3.
Na maioria dos casos, tudo isso parece ficção, pois em regra sempre é fixada a pena mínima. Talvez na maioria dos casos deva mesmo ser assim, por falta de conteúdo processual que permita ao magistrado analisar todas as circuntâncias que, conforme se pode constatar, são muitas.
No julgamento da AP 470, o STF tem derrubado o mito da pena mínima, ou da pena no mínimo legal. Para alguns dos réus que já tiveram a pena individualizada, esta superou, e em alguns casos em muito, o mínimo legal. Por exemplo, para um crime cuja pena mínima é de 2 anos, levando em conta a culpabilidade e as consequências do crime, o STF fixou a pena-base em 3 anos e 6 meses, quase, como se vê, duplicando-a. É um excesso? Se se analisar o que existe até hoje na jurisprudência da corte, a resposta somente pode ser afirmativa. Porém, essa ação penal também é diferente de tudo o que ali foi julgado.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Uma praça sem bancos

Uma música que marcou época, chamada “A Praça”, de autoria de Carlos Imperial, gravada por Ronnie Von no ano de 1967, e que foi um estrondoso sucesso, contém uma frase que diz assim: “sentei naquele banco da pracinha...”. O refrão diz assim: “a mesma praça, o mesmo banco”. É impossível imaginar uma praça sem bancos, ainda que hoje estes não sejam utilizados por aquelas mesmas pessoas de antigamente, como os namorados, por exemplo. Enfim, são duas ideias que se completam: praça e banco (ou bancos). Pois no Cambuí há uma praça, de nome Praça Imprensa Fluminense, em que os bancos entraram num período de extinção. Essa praça é erroneamente chamada de Centro de Convivência, sendo que este está contido nela, já que a expressão “centro de convivência (cultural)” refere-se ao conjunto arquitetônico do local: o teatro interno, o teatro externo e a galeria. O nome Imprensa Fluminense refere-se mesmo à imprensa do Rio de Janeiro e é uma homenagem a ela pela ajuda que prestou à cidade de Campi...

Legítima defesa de terceiro

Um dos temas pouco abordados pelos doutrinadores brasileiros é o da legítima defesa de terceiro; os penalistas dedicam a ele uma poucas páginas, quando muito. Essa causa de exclusão da ilicitude vem definida no artigo 25 do Código Penal: “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Nessa definição estão contidos os elementos da causa de exclusão em questão: uso moderado dos meios necessários; existência de agressão atual ou iminente; a direito seu ou de outrem. Como se observa facilmente, a defesa é um repulsa a uma agressão, ou seja, é uma reação a uma agressão, atual (que está acontecendo) ou iminente (que está para acontecer). Trata-se, a causa de exclusão em questão, de uma faculdade que o Estado põe à disposição da pessoa de defender-se pois em caso contrário a atuação estatal na proteção dos cidadãos tornar-se-ia inútil. Não é uma obrigação, é uma faculdade. Caso, na...

Câmeras corporais

A adoção da utilização de câmeras corporais por policiais militares gerou – e gera – alguma controvérsia no estado de São Paulo, tendo sido feita uma sugestão que mais lembra um pronunciamento de Eremildo, o Idiota (personagem criado por Elio Gaspari): “os soldados da força policial usariam as câmeras, mas as ligariam apenas quanto quisessem”. Essa tola sugestão tem como raiz o seguinte: nas operações em que pode haver alguma complicação para o policial ele não aciona a câmera; mas demais, sim. Apenas a título informativo, muitos países do mundo tem adotado essa prática: em algumas cidades, como, por exemplo, nos Estados Unidos, até os policiais que não trajam fardas estão utilizando esses aparatos. Mas, a meu ver, o debate tem sido desfocado, ou seja, não se tem em vista a real finalidade da câmera, que é a segurança na aplicação da lei penal, servindo também para proteger o próprio agente da segurança pública (tendo exercido, enquanto Procurador do Estado, a atividade de Defensor...