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A morte do meio-irmão


 
                        Eles eram filhos da mesma mãe, porém de pais diferentes. Um trabalhava; o outro, não. A história sempre se repete, quase como o eterno retorno de Freud e Nietzsche. O trabalhador havia constituído família e, obviamente, morava em outra casa, em noutro bairro; o que não trabalhava vivia às expensas da família, morando no mesmo local. E começaram os problemas provocados pela ociosidade (“a ociosidade é a mãe de todos os males”, proclama o vetusto adágio popular): más companhias, pequenas infrações, envolvimento com drogas (é difícil acreditar na “teoria das más companhias”, pois ela parece mais desculpa de pais que não querem acreditar que os filhos podem errar; é preferível acreditar no ditado popular espanhol: “Deus os faz e ele se juntam”). De qualquer forma, esse filho solteiro, desempregado, envolvido com drogas, começou a preocupar a mãe. As conversas e os conselhos resultaram infrutíferos; depois, ele começou a responder de forma agressiva ao aconselhamento da mãe, chegando aos empurrões.
                        Ela resolveu socorrer-se do auxílio do filho, por assim dizer, mais ajuizado, pedindo-lhe que fosse conversar até a sua casa conversar com o meio-irmão. Numa segunda-feira, após o trabalho, ele foi para a sua casa, banhou-se, jantou, pôs uma roupa limpa, passou na igreja evangélica do bairro, orou e foi à casa da mãe conversar com o meio-irmão problemático. Ele habitava um quarto no fundo do quintal e a família estava realizando uma pequena reforma, com materiais de construção por toda parte: tijolos, telhas, pedaços de pau.
                        Começaram a conversar e demorou muito pouco para que a “temperatura” da discussão se elevasse e das palavras passassem à agressão física; em desvantagem, um deles, o que trabalhava, lançou mão de um pedaço de caibro que estava no chão e desferiu várias pancadas na cabeça do irmão, matando-o. Denunciado e processado por homicídio simples, na sessão de julgamento coube a mim atuar em sua defesa.
                        A única tese era a do homicídio privilegiado; com essa solução não estava de acordo o Ministério Público, que era representado em plenário por uma Promotora de Justiça, que desejava a condenação do meio-irmão homicida nas sanções do artigo 121, “caput”, com a imposição de 6 anos de reclusão.
                        A mãe havia sido arrolada como testemunha e o seu depoimento foi decisivo para que os jurados, por maioria, acolhessem a tese esposada pela defesa. Votado este quesito (“o réu praticou o fato sob o domínio de violenta emoção após injusta provocação da vítima”). Quando o juiz fez a contagem dos votos, concluindo que a tese da defesa fora acolhida, foi possível ver uma troca de olhares entre uma jurada e a Promotora: a jurada expôs no rosto a sua desaprovação, nitidamente indicando que votara contra. Infelizmente para ela e felizmente para o réu, prevaleceu a tese da defesa.
 

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