Pular para o conteúdo principal

A droga e o vermífugo

A reportagem principal de hoje da FOLHA DE SÃO PAULO, com chamada em letras garrafais na primeira página, é esta: "Droga no Brasil é 'batizada'com anéstesico e vermífugo'". Em termos amplos, desde logo pode-se afirmar que o vermífugo é uma droga: onde ele é comercializado? Nas drogarias, ora pois. A palavra "batizada" indefectivelmente traz à mente uma frase do melhor humorista do momento, o insuperável José Simão: "o Brasil é um país tão religioso que até a gasolina é 'batizada'". Até aqui, tudo certo.
O que chama a atenção é que somente agora é que o fato foi constatado. Desde sempre as drogas foram adulteradas. Uma história para ilustrar: corria o ano de 1975, eu concluía o curso de Direito da PUCCampinas e era escrevente do 3o. Cartório Criminal da comarca de Campinas: o tráfico de drogas ainda "engatinhava" em Campinas e fazia alguns anos que havia entrado em vigor uma nova lei de entorpecentes que modificara o artigo 281 do Código Penal. Ao ser surpreendido com substância causadora de dependência física ou psíquica, a pessoa deveria ser levada à presença da autoridade policial para ser levrado o auto de prisão em flagrante e a pessoa deveria ser apresentada à autoridade judiciária em 2 dias e para dali a 8 dias seria designada a data de julgamento, oportunidade em que nos autos do processo deveria estar o laudo pericial demonstrando que aquilo que fora apreendido era mesmo substância entorpecente. Um jovem, mal entrado na maioridade, foi preso na rua Tomás Alves, próximo a uma lanchonete apontada como local de venda de droga e em seu poder foi encontrado algo que ele afirmou ser uma "pedra" de ácido LSD. No dia da audiência de julgamento, ao lerem o laudo, constataram que aquela "pedra" era um confeito de bolo. Sim, daqueles redondos prateados.  Muita gente fumou fezes de bovino adicionada à maconha. São caos extremos.
Pouco tempo antes de me aposentar (retirei-me no ano de 2008), quando ia substituir algum colega em vara criminal comum (sim, porque a maior parte do tempo em passei atuando como defensor público na Vara do Júri de Campinas), comecei a observar que invariavelmente os laudos periciais de exames feitos em cocaína constatavam que anestésicos (xilocaína, especialmente) eram misturados à droga. Com base nisso, passei a requerer ao juízo que indagasse do IC qual a porcentagem de mistura, pois, como o crime de droga é um crime de dano e não de perigo, dependendo do grau de impureza a droga não conseguiria fazer efeito, o que tornaria aquela conduta um indiferente penal. Mas a resposta que eu sempre tinha consistia no seguinte: é impossível determinar o grau de mistura. Fico imaginando: depois de "narigar" (como se dizia antigamente) uma "carreira", a pessoa se sente anestesiada - até aí nada de muito anormal. O pior é ela começar a eliminar vermes...
Pois é: somente agora vem a público algo de que se tinha conhecimento nos meios forenses há mais de meia década.
Silvio Artur Dias da Silva
Link da reportagem: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1113363-cocaina-vendida-no-brasil-e-batizada-ate-com-vermifugo.shtml



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A assessora exonerade

Um fato tomou a atenção de muitos a partir de domingo quando uma assessora “especial” do Ministério da Integração Racial ofendeu a torcida do São Paulo Futebol Clube e os paulistas em geral. Um breve resumo para quem não acompanhou a ocorrência: a final da Copa do Brasil seria – como foi – no Morumbi, em São Paulo. A Ministra da Integração Racial requisitou um jato da FAB para vir à capital na data do jogo, um domingo, a título de assinar um protocolo de intenções (ou coisa que o valha) sobre o combate ao racismo (há algum tempo escrevi um texto sobre o racismo nos estádios de futebol). Como se sabe, as repartições públicas não funcionam aos domingos, mas, enfim, foi decisão da ministra (confessadamente flamenguista). Acompanhando-a veio uma assessora especial de nome Marcelle Decothé da Silva (também flamenguista). Talvez a versão seja verdadeira – a assinatura do protocolo contra o racismo – pois é de todos sabido que há uma crescente preocupação com o racismo nos estádios de fu

Por dentro dos presídios – Cadeia do São Bernardo

      Tão logo formado em Ciências Jurídicas e Sociais e tendo obtido a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, prestei auxílio num projeto que estava sendo desenvolvido junto à Cadeia Pública de Campinas (esta unidade localizava-se na avenida João Batista Morato do Canto, n° 100, bairro São Bernardo – por sua localização, era apelidada “cadeião do São Bernardo”) pelo Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal (que cumulava a função de Corregedor da Polícia e dos Presídios), Roberto Telles Sampaio: era o ano de 1977. Segundo esse projeto, um casal “adotava” uma cela (no jargão carcerário, “xadrez”) e a provia de algumas necessidades mínimas, tais como, fornecimento de pasta de dentes e sabonetes. Aos sábados, defronte à catedral metropolitana de Campinas, era realizada uma feira de artesanato dos objetos fabricados pelos detentos. Uma das experiências foi uma forma de “saída temporária”.       Antes da inauguração, feita com pompa e circunstância, os presos provisórios eram “aco

Matando por amor

Ambas as envolvidas (na verdade eram três: havia um homem no enredo) eram prostitutas, ou seja, mercadejavam – era assim que se dizia antigamente – o próprio corpo, usando-o como fonte de renda. Exerciam “a mais antiga profissão do mundo” (embora não regulamentada até hoje) na zona do meretrício [1] no bairro Jardim Itatinga.             Logo que a minha família veio de mudança para Campinas, o que se deu no ano de 1964, a prostituição era exercida no bairro Taquaral, bem próximo da lagoa com o mesmo nome. Campinas praticamente terminava ali e o entorno da lagoa não era ainda urbanizado. As casas em que era praticada a prostituição, com a chegada de casas de família, foram obrigadas a imitar o bairro vermelho de Amsterdã:   colocar uma luz vermelha logo na entrada da casa para avisar que ali era um prostíbulo. Com a construção de mais casas, digamos, de família,   naquele bairro, houve uma tentativa de transferir os prostíbulos para outro bairro que se formava, mais adiante