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José Dirceu: possíveis penas

Já que muita gente está fazendo prognósticos, aventurar-me-ei a fazer um, porém, mais humilde e restrito: analisarei a possível pena total que será imposta àquele que a Procuradoria Geral da República acusou na denúncia de ser o "chefe de quadrilha": José Dirceu.
A ele era imputada a prática, por 9 vezes, do crime de corrupção ativa - artigo 333 do Código Penal -, cuja pena cominada é de 2 a 12 anos de reclusão, mais multa. A denúncia queria, ainda, que as penas fossem aplicadas em concurso material - artigo 69 do CP -, ou seja, somadas as penas de todos os 9 delitos. A pena prevista ao crime de quadrilha ou bando (e NUNCA, como quer a mídia, "formação de quadrilha") é de 1 a 3 anos de reclusão. A pena imposta a este crime deveria, nos termos da denúncia, ser somada - concurso material - às penas dos crimes de corrupção ativa.
Para clarear: José Dirceu ofereceu (não apenas ofereceu, mas entregou) vantagem indevida, consistente em dinheiro, a 9 parlamentares de partidos políticos para formar o que se denomina "base política". E, para isso realizar, associou-se a outras pessoas (mais de 3): o tipo penal do crime de quadrilha assim descreve a conduta: "associarem-se mais de 3 pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes".
A pena, conforme preceito constitucional, deve ser individualizada, e nesse sentido o seu cálculo deve passar por 3 fases, conforme dispõe o artigo 68 do Código Penal: na 1ª fase são analisadas as circunstâncias judiciais (art. 59), depois as circunstâncias agravantes e as atenuantes (arts. 61 a 66) e, finalmente, as causas de aumento ou diminuição (que estão espalhadas tanto pela Parte Geral, quanto pela Parte Especial).
Portanto, para cada crime de corrupção ativa será calculada uma pena entre 2 e 12 anos de reclusão. Na primeira fase, que aquela em que o juiz tem mais liberdade (autores antigos chamavam de "prudente arbítrio"), certamente ela, a pena, que é chamada de "pena-base", ficará acima do mínimo legal, ou seja, acima de 2 anos. Acredito que ficará em 3 ou 4 anos. Não há circunstâncias agravantes, nem atenuantes, nem causas de aumento ou diminuição. Talvez a agravante do motivo torpe. Pena final: 3 ou 4 anos. Para o crime de quadrilha, acredito que a pena será fixada no máximo, 3 anos, e isso logo na primeira fase, tornando-se a pena final.
A Procuradoria-Geral da República que que sejam somadas as penas dos crimes de corrupção ativa e se for atendida nesse pleito, a pena final será de 27 ou 36 anos de reclusão, que somada com a pena do crime de quadrilha, ascenderá a 30 ou 39 anos de reclusão, sendo obrigatório o regime prisional fechado.
Ocorre que pode o STF reconhecer, para a corrupção ativa, o crime continuado - artigo 71 "caput" do CP -, criado para humanizar as penas, que faz com seja aplicada a pena de somente um dos crimes aumentada entre 1/6 a 2/3. Raciocinando: 3 anos mais 2/3 dão 5 anos que somados aos 3 do crime de quadrilha alcançam 8 anos: regime semi-aberto obrigatório.
Para progredir de regime somente indenizando o dano causado pelo crime - artigo 33, § 4º CP.
Há, ainda, quanto aos crimes de corrupção ativa, a imposição da multa, mas este cálculo farei outro dia.
Para encerrar e lembrar: caso a pena aplicada a qualquer dos crimes seja de 2 anos ocorrerá a prescrição retroativa, pois o recebimento da denúncia, que é causa interruptiva, ocorreu há mais de 5 anos e tal pena prescreve em 4. E para este cálculo as penas não podem ser somadas.



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