Num
conto interessante e engraçado, chamado “O homem que sabia javanês”, Lima Barreto conta a
história de um homem que, atendendo a um anúncio publicado num jornal,
apresentou-se como professor de javanês e durante algum tempo ministrou aulas desse
idioma a uma pessoa sem saber bulhufas sobre ele. Fez tanto sucesso que
alçou-se à carreira diplomática, tornando-se cônsul em Havana. Li este conto
quando já era adulto, quase ingressando na terceira idade. A sua leitura me
remeteu aos meus tempos de criança na cidade em que nasci e morei, Jaú, até
quase completar 16 anos.
O
personagem da história real vivida por mim era um engraxate, cujo nome agora
não me ocorre. Ele falava inglês – pelo menos assim acreditávamos. Gostávamos
que ele engraxasse os nossos sapatos e principalmente ouvi-lo, enquanto
trabalhava, dizer algumas palavras e frases em inglês. Ele, segundo a sua
versão, aprendera aquele idioma de forma autodidata, utilizando alguns livros
que um tio nosso, que era professor, mas não de línguas e sim de Biologia,
Oswaldo Brandão Toffano, houvera dado a ele. Enquanto engraxava os sapatos, desatava a falar no idioma
estrangeiro. Como eu não sabia nada de inglês, ficava maravilhado ao vê-lo
expressar-se. Somente fui tomar contato com a língua inglesa ao iniciar o curso
secundário (era assim que se chamava, lá pelo ano de 1959 ou 1960) e ademais era
péssimo aluno. Hoje, não consigo afirmar que o engraxate falasse inglês –
talvez ele fosse um êmulo do personagem de Lima Barreto, o que “sabia” javanês.
Acredito mais que ele apenas “enrolasse” a língua... e a nós também.
Essas
ideias me assaltaram ultimamente ao ler e ouvir diariamente pessoas, das mais
diversas profissões, inclusive das jurídicas, manifestando-se sobre alguns
temas que, conforme já disse neste espaço dias atrás, eram “privativos” dos
estudiosos do Direito, em especial do Direito Penal, tais como “embargos
infringentes”,“teoria do domínio do fato”, “regime semiaberto” e outras
assemelhadas. De repente, muitas pessoas passaram a expressar-se sobre tais
temas como se os dominassem.
Um
ex-presidente da PETROBRAS, economista de formação, criticou o Supremo Tribunal
Federal por estar, no julgamento do “mensalão”, aplicando, para reconhecer a
responsabilidade de alguns do envolvidos, a teoria do domínio do fato.
Seguramente, esse personagem nem sequer sabe quem é Claus Roxin. Um da área
jurídica, porém constitucionalista (emérito) e tributarista (também emérito),
escreveu extenso artigo que um jornal de expressão nacional publicou tecendo
comentários sobre essa teoria, o que lhe valeu um “puxão de orelhas” por meio
de outro artigo, este escrito pelos tradutores oficiais de Claus Roxin para a
língua portuguesa. Que papelão!
Mas
não é só esse repentino “surto” que merece destaque. Há muita gente
parlapatando na mídia sobre os assuntos mais variados. Uns sobre segurança
pública (um folclórico personagem que no início de sua carreira [“dá plantão”
diário numa emissora de televisão “C”] apelidou-se a si mesmo “dr. segurança” e
sob tal epíteto dava os mais tolos “conselhos” sobre segurança; não sei porque cargas
d’água desistiu do apodo); outros sobre direito internacional, outros sobre
todos os assuntos que lhe perguntarem. Muitos intitulam-se professores sem
declinar em que instituição ensinam.
Para
consolo, esse fenômeno é mundial; tenho visto com alguma frequência as
emissoras de televisão de Portugal (RTPI) e Espanha (TVE) e o bla-blá-blá também ocorre naquelas plagas.
Seria talvez pelo baixo custo de tais programas? Sim, porque não há cenário,
não há tomadas externas, nada, apenas um grupo de pessoas emitindo as opiniões.
Aqui nas plagas brasileiras esses encontros de expertos (com “x” mesmo) têm uma forte característica: o verbo mais conjugado é o “achar”.
Eu
acho (sem trocadilho) que eles são como o personagem do conto de Lima Barreto.
Ou o engraxate de Jaú.
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