Ao
ver as fotos, rapidamente me veio à mente um fenômeno que aconteceu na década
de 70 inicialmente no exterior, em seguida no Brasil. Nos Estados Unidos da
América e na Inglaterra tomou o nome de “streaking” e consistia no seguinte: o
“streaker” despia-se em um local longe das vistas das pessoas e depois passava
correndo, em alta velocidade, em locais em que havia aglomeração. Alguns eram
alcançados pelos policiais e conduzidos às delegacias. Como tudo que é
novidade, o Brasil “importou” a prática e aqui ela tomou o nome de “chispada
pelada” (chispada vem do verbo chispar, que tem vários significados, sendo um
deles “deslocar-se velozmente”).
Em
Campinas aconteceram algumas “chispadas peladas” e um dos locais escolhidos
pelos praticantes era defronte a uma lanchonete localizada na avenida Moraes
Salles quase esquina com a Júlio de Mesquita, chamada “Chiken-in”, ela mesma
uma importação. Ali servia-se batata frita em um cestinho de palha e frango
(para fazer jus ao nome) frito crocante. A afluência de pessoas era imensa, daí
a razão da escolha desse local.
Sempre
que a polícia conseguia deter o “streaker”, encaminhava-o ao plantão policial e
ele era autuado pelo crime de ato obsceno, descrito no artigo 233 do Código
Penal com o seguinte teor: “praticar ato obsceno em lugar público, aberto ao
exposto ao público”, com a pena de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa.
Porém,
o enigma da esfinge para os aplicadores e intérpretes da lei penal consistia em
elucidar em que consistia o tal “ato obsceno”. Sabendo-se que o Código Penal,
em sua Parte Especial (a que descreve os crimes e estipula as penas), é do ano
de 1940, os intérpretes de então classificavam o beijo lascivo (claro que com a
concordância da mulher) como um ato obsceno. Casais que se engalfinhavam dentro
de veículos identicamente eram acusados da prática desse crime. A micção
masculina também consistia em ato obsceno; porém, um doutrinador afirmava que
se o ato fosse praticado sem a exibição do membro viril, não haveria crime
(pus-me a imaginar como isso seria possível: somente se a micção fosse feita
nas calças ou se a pessoa usasse um canudo ou um pedaço de mangueira de
jardim...).
Tive
a oportunidade de atuar em um caso em que a pessoa fora condenada por ter
cometido o crime em questão e o ato obsceno que havia praticado, e pelo qual
fora condenado, era a micção (o caso está relatado em meu livro “Casos de júri
e outros casos” – “Ato obsceno”). A partir do ano de 1995, com a criação dos
juizados especiais criminais, esse crime passou a ser considerado “infração
penal de menor potencial ofensivo”, por alguns chamado de “crime de bagatela”,
em que não há processo criminal: é lavrado um “termo circunstanciado de
ocorrência”, enviado ao fórum e encaminhado ao Ministério Público: se não for
caso de arquivamento, será feita a proposta de aplicação imediata de pena
(restritiva de direito ou multa) e caso o apontado autor do fato, acompanhado
de advogado, aceitar, será o TCO
arquivado.
Pelo
que a mídia tem noticiado, nem essa providência com relação às corredoras
peladonas de Porto Alegre tem sido tomada, estando as autoridades encarregadas
da aplicação da lei penal apenas “observando-as”. Sinal dos tempos: quem fazia a chispada pela cometia ato obsceno e hoje a nudez em público suscita
apenas a observação.
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